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Aprendendo com poesia

por Rubens Salles

“A fala é a atividade que liga o ser humano ao mundo, ao próximo e a si mesmo, o papel do professor é embelezá-la e enriquecê-la, inclusive como um contraponto à imagem virtual e audiovisual que cada vez ocupa um espaço maior na vida destas crianças.”

“As crianças hoje em dia recebem um excesso de linguagem prosaica em detrimento da linguagem poética. Esse excesso faz com que a criança se torne rapidamente um adulto sem sê-lo. A poesia, por sua vez, fortalece a criança, preparando-a para lidar com as tarefas impostas pelo dia a dia”.  Luíza Lameirão, Heloísa B. da Costa e Lélia Jenaro afirmam também que “a fala ritmada vitaliza a criança e abarca seu próprio corpo, atuando na relação entre o ritmo da respiração e o da pulsação. Isso permeia seu ser interior. Assim o artista, com a poesia, introduz o homem em outro ambiente, diferente do da fala prosaica”.(1)

Além de constituir um elemento de equilíbrio e concentração, conteúdos de diversas matérias podem ser aprendidos através da poesia e do jogral. Veja alguns exemplos de poemas pedagógicos, de autoria da poetisa Ruth Salles:

 

A SEMENTE (2)
Tema: natureza

Semente misteriosa,
que caiu da planta ao chão,
que segredos ela guarda
no fundo do coração?

“Eu sou o menor presente
que foi posto em tua mão,
pois parece não ser nada
este pequenino grão.

Mas dele verás crescer,
numa fecunda estação,
uma árvore frondosa
subindo para a amplidão!

Toda a árvore, todinha,
continha o pequeno grão,
esperando o bom momento
para enfim se erguer do chão.

Vale mais que muita jóia
– como percebes então –
o presente pequenino
que foi posto em tua mão.”

 

PRONOME (3)
Tema: gramática da língua portuguesa

Às vezes, no lugar do nome,
eu ponho o pronome,
pois ele explica se o Edu
sou eu ou és tu.
E, no lugar de Manezinho,
é ele que eu ponho,
e, quando sonho com a Lila,
com ela é que eu sonho.
E Manezinho, Lila e Edu
então somos nós;
André e Bia e Sebastião
eu troco por vós.
Mas gosto mesmo é de um pronome
– direi de uma vez –
que uso sempre em vez do nome:
você ou vocês.
– Onde está o Edu?
Eu estou aqui!
– E o Manezinho?
Ele está ali.
– Ó Lila, responde!
Tu vais nesse bonde?
– Com este nenem?
Nós vamos de trem!
– E a Bia? E o André?
Vós ides a pé?
– Vem vindo correndo
o Sebastião!
Eu vou com vocês,
quer queiram ou não!

 

O RIO (4)
Tema: geografia

O rio, no alto da serra,
serpenteia quando nasce,
a cavar fundo na terra
um leito por onde passe.

E muda as voltas que dá
e, nesse trabalho intenso,
entre os montes, cá e lá,
vai abrindo o vale imenso.

Às vezes, se o chão lhe falta,
sua força se desata,
e espumeja e ruge e salta,
despencando em catarata.

Depois, mais forte e mais vasto,
vai seu rumo se igualando,
e leva as margens de arrasto
quando à foz já está chegando.

De repente: “Onde é meu chão?”
De repente: “Onde é que estou?”
É que o rio, em turbilhão,
lá no mar desembocou.

E luta como se fosse
capaz de vencer as vagas,
e uma faixa de água doce
o sal das ondas apaga.

Enfim, após tanta guerra,
no mar imenso se espraia.
Será que procura a terra
quando a espuma dá na praia?

 

Há também um grande acervo de poemas “trava-línguas” para exercitar a dicção e embelezar a fala. Segue um exemplo:

 

TROMBETEIA A TEMPESTADE (5)
(V F – RR R – L N – T D – S Z – C G – P B – CH J)
Tema: natureza

Vai e vem voando o vento,
faz a festa na floresta,
fino e forte qual navalha,
vira a folha, que farfalha.
Rasga os ramos e os derruba,
gira, gira em disparada,
fere a terra e a rodopia,
espiral desenrolada.

Logo a leve luz da lua
já se aninha em negra nuvem.
Nessa névoa, a lua alada
lá se anula e não é nada.

Trombeteia a tempestade,
se encadeia, e desce, e dança,
canta e toca na vidraça.
Que tormenta! Que mudança!

Um sussurro sobe e soa,
um zumbido zine e zoa:
é o som que sai da casa
que agasalha uma pessoa.

Quase cai aquela casa!
E o lugar foi-se alagando!
Mas agora o quadro acalma,
cada gota vai secando.

Tudo espaça e logo passa,
toda bulha vai embora.
Já se espalha a bruma baça,
brilha o astro em boa hora.

Como a chuva encharca o chão!
Eu me ajeito, gotejando,
me queixando, a gracejar,
relaxando… bocejando…

 

Além de poemas sobre gramática, geografia e natureza, há poemas pedagógicos sobre os mais diversos temas, sobre o tempo, os animais, mitos e lendas brasileiras, astronomia, o homem etc. Um formato muito usado pelos professores Waldorf são os poemas rítmicos. Os ritmos dos diferentes pés métricos foram estudados por Damon, mestre de Péricles, na Grécia antiga, e sua aplicação com os alunos pode ter efeito terapêutico, ajudando para um desenvolvimento harmonioso. Conforme descrito por Ruth Salles, são eles: Jambo, Troqueu, Anapesto, Anfibráquio, Coriambo, Dáctilo, Pentâmetro e Hexâmetro. Seguem três exemplos. As crianças caminham enquanto declamam.

 

Jambo: v____ (curto-longo). Atua vigorando o passo para frente e com vontade. Também ajuda a criança excessivamente retraída a se expandir. Ela se retrai na sílaba curta e se solta na longa. Sublinhamos aqui as sílabas longas dos primeiros versos, para mais fácil compreensão.

A PRINCESA E O CAVALEIRO (6)

vai o cavaleiro bem montado em seu corcel.
Galopa bem ligeiro com uma pena no chapéu.
Os vales já desceu e as montanhas já subiu.
Na torre de um castelo a princesa lhe sorriu.
“Que bom, que bom! Eu sei que ele veio me salvar,
tirar-me desta torre, onde estava a chorar.
Aquela feiticeira enfeitiçou-me de verdade:
prendeu-me nesta torre, sem ter dó nem piedade.
Querido cavaleiro, que coragem ele tem!
Saltou o fosso fundo e ao pé do muro vem.
Soltei-lhe meus cabelos, e por eles vai subindo.
Quebrou o encantamento, e as portas vão-se abrindo!
Adeus à feiticeira, meu amado me salvou,
montou em seu cavalo, na garupa me sentou!”
E lá se vão agora, ele e ela, a galopar.
Com esse cavaleiro a princesa vai casar!

 

Troqueu: ___v (longo-curto). É um ritmo lento que ajuda e apoia a fluidez da fala. Ajuda a criança excessivamente expansiva a se concentrar. Ela se solta na sílaba longa e se retrai na sílaba curta.

A ARANHA (7)

Uma aranha tece a teia,
meia volta e volta e meia;

solta o fio e salta lá,
vai de volta e volta cá.

Sem ter régua nem esquadro,
já reforça assim o quadro.

Dentro dele é que ela tece,
gira, gira e sobe e desce.

Como brilha rendilhada
essa teia inacabada!

Pois ainda um fio agora
sai da teia para fora.

Nessa linha bem comprida,
eis a aranha escondida!

Quando o fio treme bem,
ela sabe que já tem

lá na teia uma presa
para a sua sobremesa.

 

Anapesto: vv___ (curto-curto-longo). Libera a língua. Abre o escutar e desperta o olhar. O ritmo nos carrega, liberando-nos de nossas limitações. Atua da mesma forma que o jambo, só que mais lentamente.

BEM-TE-VI (8)

Bem-te-vi a voar, a cantar no jardim,
ele diz que me viu, que me viu bem assim:
com cestinho e chapéu e com vara e anzol,
indo ao rio pescar neste dia de sol.

Bem-te-vi bem me viu e voou e voou
e na beira do rio num ramo pousou.
E piando bem alto voltou a cantar,
com certeza ao peixinho querendo avisar

que me viu bem assim, de varinha e anzol,
indo ao rio pescar neste dia de sol.
De que foi que valeu a linhada lançar?
O peixinho me viu e fugiu a nadar.

 

Bibliografia

1 a 8) SALLES, Ruth. Aprendendo com Poesia, 2003.

 

 

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