Stefan Vasilivich, o salteador – um conto da noite de Natal

 

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por Jeanna Oterdahl

O vento norte soprava na planície, varrendo à sua frente as nuvens de fina neve, levando seus flocos pelo ar como lâminas. O rio, que serpenteava por ali, congelou de um modo a se unir com a terra como uma coisa só.

Por entre as rajadas do vento se ouvia de leve o sino da igreja. As freiras da abadia de São Micael faziam tanger o sino porque era véspera de Natal, e era tão alegre o seu som que era como se ele soubesse que anunciava o mais belo dos dias.

Ao longo do caminho coberto de neve que seguia o curso do rio, um caminhante solitário andava com dificuldade, com as costas curvas como se lutasse contra a força do vento; e, sempre que lhe chegava aos ouvidos o som do sino, ele mostrava um sorriso maligno e apressava o passo.

“Você fez um bocado em seu tempo, Stefan Vasilivich, mas agora acho que vai superar a si próprio” – ele disse em voz alta, e riu de novo. “Até hoje, você se contentava em aterrorizar o povo das aldeias e tornar as estradas perigosas. Seu nome adquiriu horrível fama, sem dúvida alguma. A menor criança sabe que não há nada pior do que passar pelo caminho em que você pisa. Você é esperto, sabe andar em silêncio e consegue as melhores coisas. Os camponeses lhe têm ódio e o consideram como uma praga, porque você rouba seus bezerros, toca fogo em fazendas e arromba os esconderijos de seu dinheiro. Mas isso não basta: tudo isso será esquecido com o passar dos anos. Esta noite Vasilivich vai realizar a maior façanha de um salteador, que o tornará famoso como um herói ou como um santo.”

O vento fez bater em seu rosto selvagem uma chuva de granizo aguda como navalha, mas isso para ele não era nada. Com seu chapéu abaixado na testa, ele andava com dificuldade, mas sem parar. Já podia ver as luzes da abadia de São Micael brilharem através da escuridão e da tempestade de neve.

Quando eu era ainda uma criança, – pensou Stefan Vasilivich – eu tinha o mesmo caráter obstinado que tenho agora. Para mim não fazia sentido compaixão e fragilidade.

“Veja bem!” – disse meu pai uma vez – “Vai acabar aparecendo alguém para amansá-lo.”

“Que ideia, Pai! Já passei fome e frio, não há prisão que me segure. Gostaria de encontrar alguém que consiga me amansar.”

E Stefan Vasilivich tornou a rir com aquele riso satisfeito e maligno, que foi levado pelo vento pela neve afora. Ao chegar mais perto da abadia, ele passou a andar mais devagar e seus olhos brilharam.

Terminada a oração de vésperas, as freiras foram, aos pares, da capela para o refeitório. Sozinha, bem atrás, caminhava a mais nova das irmãs. Ela era pequena e esbelta e tinha grandes olhos castanhos escondidos sob a touca. Seus olhos ainda refletiam os brilho das velas da capela, e seus lábios se moviam suavemente como se ela ainda cantasse.

A irmã Ecaterina tinha apenas quinze anos; era a filhotinha do convento, o passarinho cantor, e todas a amavam. E, por ser ainda como uma criança, era perdoada quando às vezes se esquecia de algumas obrigações. Naquele momento, estava tão mergulhada em seus próprios pensamentos, que andava mais devagar e se esquecia de que devia seguir as outras.

Ela parou então na neve, bem no meio do pátio da abadia. Seu coração estava tão cheio de alegria pela Criança que havia chegado ao mundo naquela noite, que ela nem sentiu o frio cortante da neve que cobria sua roupa leve e passava pelo seu rosto.

Irmã Ecaterina, de mãos postas, rezou a Deus pedindo que lhe desse a oportunidade de servir o Menino Jesus. Ficando ali imersa em oração, sem reparar que as outras já há muito tempo tinham entrado na sala aquecida do refeitório, foi de repente perturbada por uma batida leve na porta de entrada do convento.
Ela esqueceu que não era tarefa sua abrir a porta para estranhos, e correu até lá. Seu coração bateu apressado, na esperança de que talvez Deus já tivesse ouvido sua oração e que, naquela mesma noite, ia pôr à prova seu amor pelo Menino Jesus.

Enquanto corria, imaginava quem poderia estar lá fora, talvez uma criança ou um homem muito velho, porque a batida parecia vacilante e fraca. Sem hesitar e sem considerar para quem poderia estar abrindo a entrada, ela retirou a pesada tranca e acenou para o homem que estava lá fora para que entrasse.

Se a freirinha, com seus grandes olhos brilhantes, soubesse que o homem diante dela era Stefan Vasilivich, o assassino e ladrão de quem ela tinha ouvido falar tantas vezes com medo e horror, certamente cairia na neve aterrorizada, sem coragem de se mover ou falar. Mas como irmã Ecaterina poderia imaginar que aquele velho de barba grisalha e chapéu de abas largas não fosse apenas um peregrino exausto? Quando ele pediu, em nome de Deus e de São Micael, um abrigo sobre sua cabeça e um pedaço de pão, ela só se sentiu feliz por Deus ter ouvido sua oração tão depressa. Com seu rosto repleto de alegria, conduziu o homem para o refeitório, onde estavam as freiras sentadas ao redor da longa mesa.

“Irmã” – disse a abadessa, que estava sentada à cabeceira, ao lado de Elisabeth, a irmã cega – “você se esqueceu de que hoje é sua vez de distribuir o pão? Você também se esqueceu de que não é sua a obrigação de abrir a porta a estranhos? Irmã, irmã, quando será que você vai ser finalmente igual às outras?”

Mas a pequena irmã Ecaterina, que era filha de um príncipe e irmã de um príncipe, ajoelhou-se no chão de pedra e pediu perdão tão humildemente, que a abadessa não teve coragem de castigá-la.

Depois que as irmãs cantaram o hino de ação de graças, a irmã Ecaterina distribuiu o perfumado pão fresco de Natal e deu o melhor pedaço ao peregrino de barba grisalha.

Stefan Vasilivich riu silenciosamente diante do salmo e da simples refeição, e seu coração malvado se rejubilou antecipadamente. Pois ele sabia que o convento era rico em ícones enfeitados de ouro e pérolas e possuía vasos sagrados com joias de muitas cores, embora as freiras vivessem em grande pobreza e abstinência.

Depois que acabaram de jantar e que o hino foi cantado, a irmã Ecaterina pediu permissão para lavar os pés do peregrino, e a abadessa ficou feliz com sua vontade de servir a Deus.

Mas Stefan Vasilivich não cabia em si de contente por ter representado tão bem seu papel, e passou os olhos cautelosamente de uma freira para a outra, imaginando seu terror quando chegasse a hora.

Enquanto se ajoelhava no frio chão de pedra e desatava as botas de Stefan Vasilivich, a filhinha do príncipe disse:

“Se o senhor é, na verdade, tão piedoso como eu acredito que seja, a água em que eu lavar seus pés ficará mais pura e transparente do que agora,” e seu espírito infantil se alegrou com as próprias palavras.

E, vejam só, depois que irmã Ecaterina passou algum tempo lavando os pés do peregrino com todo o cuidado, como se estivesse cumprindo uma tarefa importante, a água realmente ficou mais pura, tão pura como se tivesse sido tirada de uma fonte, e a freirinha gritou alto de tanta alegria.

Mas, no coração cruel de Stefan Vasilivich, que só abrigava sentimentos maus, cresceu um espanto imenso. Que poderes estranhos havia naquele lugar? Ela achou que estava na hora de arrancar a barba branca e de jogar fora o chapéu de peregrino, mas nem conseguia se levantar. Ele continuou sentado, paralisado, olhando para a água clara que manteve a sua pureza e tornara seus pés mais brancos que a neve.

Irmã Ecaterina se aproximou da abadessa, ajoelhou-se diante de sua cadeira e, trêmula de alegria, disse: “Madre piedosa, nosso hóspede é realmente um homem muito santo. Permita-me lavar os olhos de nossa pobre irmã cega com a água na qual lavei os pés do peregrino. Quem sabe Deus faz um milagre através da piedade do peregrino.”

A abadessa deu sua permissão, e irmã Ecaterina, cheia de esperança, encheu uma tigela com a água e foi até a freira cega. Irmã Elizabeth não via a luz do dia há trinta anos e balançou a cabeça tristemente. Ela havia rezado tanto para receber de volta o dom da visão, que agora já aceitava pacificamente sua total escuridão, e não se revoltava mais com ela.

“Querida criança” – ela disse – “é da vontade de Deus que eu viva no escuro até entrar finalmente na luz eterna, onde até os cegos podem ver.”

“Irmã Elizabeth” – suplicou a freirinha – “Deixe-me apenas tentar.”

E a freira cega sorriu, pois ninguém conseguia contrariar a irmã Ecaterina.

E, vejam só, quando as primeiras gotas da água correram sobre aqueles olhos cegos, foi removido o véu que os tinha fechado por trinta anos.

Quanto mais a freirinha os lavava, mais claro ficava tudo para irmã Elizabeth, até que finalmente esta ficou de pé e olhou ao seu redor de mãos postas e com os olhos radiantes de poder ver. E todas as irmãs que estavam no refeitório começaram a cantar um hino de louvor, enquanto Ecaterina, a filha do príncipe, jogou-se de joelhos diante do peregrino e beijou seus pés com lágrimas.

Então o estranho saltou e gritou tão alto quanto um homem cheio de angústia na alma.

“Quem és tu, ó Deus?” – ele exclamou, arrancando a barba grisalha e jogando longe seu manto de peregrino – “Quem és tu, ó Todo-poderoso, que me conquistaste? Vocês, freiras, saibam que eu sou Stefan Vasilivich, o ladrão e assassino. Jamais acreditei em Deus ou no Diabo. Enchi de terror cidades e aldeias. Nenhuma pancada conseguiu me derrubar, nenhuma prisão conseguiu me manter dentro. Saibam, irmãs que esta noite vim aqui para roubar e matar.”

E ele tornou a gritar como se sentisse a maior dor.

“Quem és Tu, ó Todo-poderoso? Bastonadas e pancadas só me fortaleceram. Nenhuma tortura me dobrou. Mas esta noite Tu me atingiste com o flagelo da brandura, como se fizesses um milagre através da fé desta menina. Glória a teu nome por toda a eternidade!”

Quando Stefan Vasilivich pronunciou estas palavras, caiu de joelhos. Todas as irmãs começaram a cantar um hino de louvor a Deus, e a voz de irmã Ecaterina soava mais alto que todas as outras.

 

 

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