A Tempestade

 

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peça de William Shakespeare

tradução e adaptação: Ruth Salles

NOTAS
A biografia de William Shakespeare, considerado um dos maiores dramaturgos de todos os tempos, é baseada em poucos documentos. Segundo estes, ele nasceu na Inglaterra, em Stratford-on-Avon, no dia 23 de abril de 1564, e morreu no mesmo lugar e no mesmo dia em 1616, portanto com apenas 52 anos de idade. Sabe-se que foi ator e depois diretor de teatro e autor de conhecidos sonetos e de grande número de comédias e tragédias, quase todas obras-primas. Consta que A Tempestade foi uma de suas últimas peças. Ela trata da luta da consciência do despojamento e do bem contra a inconsciência da ganância e do mal. A pedido da professora Antonia Apparecida Netto, fiz a tradução da peça para a classe de 1992, adaptando-a com alguma redução a fim de ser representada por alunos de 14 anos. Agora, em 2013, já que os professores recomendam que a peça de 8º ano dure apenas de uma hora a uma hora e meia, condensei um pouco mais esta versão de A Tempestade.

PERSONAGENS
ALONSO, rei de Nápoles
SEBASTIÃO, seu irmão
PRÓSPERO, duque legítimo de Milão
ANTÔNIO, seu irmão, duque usurpador de Milão
FERDINANDO, filho do rei de Nápoles
GONZALO, um velho e honesto conselheiro
ADRIANO eFRANCISCO, nobres
CALIBÃ, escravo selvagem, com escamas nas costas
TRÍNCULO, bufão ou Bobo
ESTÉFANO, despenseiro beberrão
CAPITÃO DO NAVIO
CONTRAMESTRE
MARINHEIROS
MIRANDA, filha de Próspero
ARIEL, um espírito do ar; quando invisível, usa um véu.
ÍRIS,CERES,JUNO,NINFAS,CEIFEIROS, espíritos;
e outros espíritos, a serviço de Próspero.

CORO, nos momentos necessários

CENAS: um navio no mar; uma ilha

 

PRIMEIRO ATO

Cena 1

A bordo de um navio, no mar. Tempestade, relâmpagos e trovões.
Capitão, contramestre, marinheiros; rei Alonso, duque Antônio, Gonzalo, Sebastião, Francisco, Adriano.

 

CAPITÃO (entra com o contramestre): – Contramestre!

CONTRAMESTRE: – Sim, capitão, quais as ordens?

CAPITÃO: – Diga aos marinheiros que se esforcem, do contrário encalhamos. Rápido! (sai)

CONTRAMESTRE (aos marinheiros que aparecem): – Vamos, meus valentes! Amainem a mezena! Fiquem atentos ao apito do capitão!

(Entram o rei Alonso, Sebastião, o duque Antônio, Ferdinando, Gonzalo e os outros.)

REI ALONSO: – Cuidado, meu bom contramestre! Onde está o capitão?

CONTRAMESTRE: – Por favor, rei Alonso, fiquem todos lá embaixo.

DUQUE ANTÔNIO (grosseiro): – Ora, contramestre! Diga onde está o capitão!

CONTRAMESTRE: – Senhor duque, por favor, conserve todos em seus camarotes, senão estarão ajudando a própria tempestade!

GONZALO (ao contramestre): – Calma, meu amigo!

CONTRAMESTRE: – Ficarei calmo quando o mar acalmar! Fiquem nos camarotes e em silêncio!

GONZALO: – Está bem. Mas, lembre-se de quem você leva a bordo: o rei, o duque…

CONTRAMESTRE (interrompe): – Ninguém a quem eu ame mais do que a mim mesmo. O senhor é conselheiro; use de sua autoridade. E, se não puder, dê graças por ter vivido até agora e prepare-se para o que der e vier. (os nobres saem)
(aos marinheiros): – Depressa! Arreiem o mastaréu! (ouve-se uma gritaria) Que gritaria é essa?

(Sebastião, Antônio e Gonzalo tornam a entrar.)

CONTRAMESTRE: – De novo? Será que os senhores querem que eu largue tudo para morrermos afogados?

SEBASTIÃO: – Cão gritador e sem piedade! Queremos só saber notícias.

CONTRAMESTRE: – Pois então, seu Sebastião, venha trabalhar conosco, e o senhor também, duque Antônio!

DUQUE ANTÔNIO: – Insolente!

CONTRAMESTRE (aos marinheiros): – Firme! Firme! Para o largo outra vez! Para o largo!

MARINHEIRO (entra encharcado): – Já está tudo perdido. Só nos resta rezar!

SEBASTIÃO: – Nossas vidas nas mãos desses tratantes!

OUTRO MARINHEIRO: – Misericórdia! O casco está rachando! (sai o contramestre)

DUQUE ANTÔNIO: – Estamos naufragando! Que desgraça! (sai)

GONZALO: – Ah, eu daria agora mil milhas de mar em troca de uma terra estéril qualquer. Que a vontade do céu se faça, mas eu bem que preferia uma morte seca… (sai)

 

Cena 2

Na ilha. Diante da gruta de Próspero.
Próspero, Miranda; Ariel; Calibã; Ferdinando.

MIRANDA (entra com Próspero):
– Se foi por arte sua, pai querido,
que o mar se ergueu em vagas e rugidos,
acalme-o! Eu sofri com os que sofreram.
Coitados… Todos eles pereceram.

PRÓSPERO (vestido com o manto mágico e segurando a varinha):
– Miranda, minha filha muito amada,
acalme seu bondoso coração.
Ninguém morreu. Fiz tudo por você,
que nem sabe quem é ou de onde vem
ou que eu possa ser mais do que este Próspero,
que é dono de uma gruta e que é seu pai.

MIRANDA:
– Nunca quis saber mais.

PRÓSPERO: – Porém é tempo
de saber mais. Ajude-me a tirar
meu manto mágico. (tira o manto) E agora, sente-se,
para enfim conhecer toda a verdade.

MIRANDA:
– Pois fale então, meu pai. Sou toda ouvidos.

PRÓSPERO:
– Você não tinha ainda nem três anos,
mas quem sabe se lembra de uma época
antes desta em que viemos habitar
esta gruta.

MIRANDA: – Recordo vagamente…

PRÓSPERO:
– E, além disso, você não lembra, filha,
como foi que chegamos a esta ilha?

MIRANDA:
– Não lembro.

PRÓSPERO: – Pois Miranda, há doze anos
eu era um nobre, o duque de Milão,
e você a princesa minha herdeira.

MIRANDA:
– Oh, céus, então que trama ou que tragédia
nos trouxe aqui? Ou foi melhor assim?

PRÓSPERO:
– Ambas as coisas, filha. Uma traição
nos fez sermos expulsos de Milão.
Confiei a administração do Estado,
ao meu irmão Antônio, que é seu tio,
e em estudos secretos me absorvi…
Mas, Miranda, você está ouvindo?

MIRANDA:
– Ouvindo atenta, pai.

PRÓSPERO: – Pois o seu tio,
me vendo tão alheio, ambicionou
ser legítimo duque e foi tão pérfido
que então se aliou ao rei de Nápoles,
sujeitando a esse rei nosso ducado.

MIRANDA:
– Oh, céus, meu pai querido!

PRÓSPERO: – E o rei de Nápoles
deu o ducado de Milão a Antônio.
E então Antônio, numa noite escura,
fez com que seus agentes criminosos
nos levassem embora da cidade,
a mim e a você. Está ouvindo?

MIRANDA:
– Tão triste história cura até os surdos…

PRÓSPERO:
– Pois ouça um pouco mais, para entender
o que acontece agora.

MIRANDA: – Mas, meu pai,
por que não nos mataram nessa noite?

PRÓSPERO:
– Não se atreveram, filha, pois o povo
me amava muito. Em suma, num navio
nos levaram e, um pouco além da costa,
nos embarcaram na carcaça podre
de uma barca sem velas e sem mastros.
Fomos abandonados no alto mar.

MIRANDA:
– E de que modo demos numa praia?

PRÓSPERO:
– Guiou-nos a Divina Providência.
E Gonzalo, o bom velho conselheiro,
nos deu objetos, roupas, água, víveres,
além dos livros que eu amava tanto.

MIRANDA:
– Queria conhecer um dia esse homem…

PRÓSPERO:
– A esta ilha enfim nós aportamos,
e aqui lhe dei educação melhor
que a das princesas com tutores fúteis.

MIRANDA:
– Deus lhe pague, meu pai, mas me responda
qual a razão que fez com que o senhor
erguesse tempestade tão terrível?

PRÓSPERO:
– Por coincidência, a sorte generosa
trouxe meus inimigos a esta costa,
e em minhas previsões vejo que um astro
é propício a mudar nosso destino.
Não pergunte mais nada. Durma, agora! (Miranda adormece)
O sono a dominou. (a Ariel): – Servo fiel,
estou pronto. Aproxime-se, Ariel!

ARIEL (com grandes movimentos de saudação):
– Salve, meu grande mestre! Aqui estou eu
para fazer o que o senhor me ordene:
seja voar, nadar, passar nas chamas
ou cavalgar as enroladas nuvens.

PRÓSPERO:
– Responda! A tempestade foi bem feita?

ARIEL:
– Em todos os detalhes, mestre Próspero!
O veleiro do rei tomei de assalto,
infundindo terror da proa à popa.
Com raios e trovões e ondas bravias
amedrontei até o deus Netuno!

PRÓSPERO:
– E no veleiro alguém manteve a calma?

ARIEL:
– Ninguém. Aliás, só um. Foi Ferdinando.
jovem filho de Alonso, o rei de Nápoles.
Deu o exemplo e saltou antes de todos
no mar revolto.

PRÓSPERO: – E foi perto da costa?

ARIEL:
– A dois passos, e todos estão salvos.
Dispersei-os em grupos pela ilha,
como o senhor mandou. E Ferdinando,
o jovem príncipe está num recanto,
onde suspira na maior tristeza.

PRÓSPERO:
– Diga, Ariel, que é feito do navio,
dos marinheiros e de toda a frota?

ARIEL:
– O navio do rei está num golfo.
Fiz dormir os marujos dentro dele.
As outras naus voltaram para Nápoles.
Pensam que o rei morreu e que seu barco
naufragou.

PRÓSPERO: – Muito bem! Missão cumprida!
Mas há mais a ser feito.

ARIEL: – Mais trabalho?
E minha liberdade prometida?

PRÓSPERO:
– Antes do prazo se cumprir? Jamais!
Você esqueceu que eu o libertei
da horrível feiticeira Sicorax,
que o prendeu no oco de um pinheiro
porque você não quis obedecer
suas horrendas ordens? E depois
ela morreu, e só ficou na ilha
Calibã, o monstruoso filho dela
que está preso às minhas ordens mágicas!
Você esqueceu que eu rachei o pinheiro
e libertei você que lá gemia?

ARIEL:
– Perdão, senhor, sou para sempre grato!

PRÓSPERO:
– Então espere apenas mais dois dias.
Vá tomar a figura de uma ninfa,
visível só a mim e a você mesmo,
e volte logo aqui. (Ariel sai)
(a Calibã): – Eh, Calibã!
Saia já dessa gruta e venha cá!
(a Ariel, que volta como ninfa):
– Meu gentil Ariel, faça o que eu digo! (fala em seu ouvido; Ariel sai)

CALIBÃ (vendo que Miranda começa a acordar):
– Que nos dois caia um orvalho venenoso!
Ladrões de minha ilha, onde eu vivia
feliz com minha mãe, com Sicorax.

PRÓSPERO:
– Não seja ingrato, Calibã, fui eu
quem tudo lhe ensinou, mesmo a falar.
Eu o tratei com toda a humanidade,
e você atacou a minha filha.

CALIBÃ:
– Se eu falo é só para amaldiçoar.
Que uma peste os devore!

PRÓSPERO: – Saia já!
Vá de boa vontade cortar lenha,
senão eu lhe darei câimbras terríveis!

CALIBÃ:
– Não, por favor, eu obedeço sim! (Calibã sai)

MIRANDA (levantando-se):
– Meu pai… eu dormi tanto… Quem vem vindo?

(Ariel vem invisível atraindo Ferdinando.)

ARIEL:
– Venha!… Venha!…

FERDINANDO: – De onde vem tal voz?
Ela acalmou o mar e a minha dor…

MIRANDA:
– Meu pai, olhe que lindo jovem!

PRÓSPERO:
– Um dos que naufragaram, com certeza.

MIRANDA:
– Alguém tão belo assim eu nunca vi…

PRÓSPERO (consigo mesmo):
– Tudo caminha como eu desejava.

FERDINANDO (vendo Miranda):
– Ah, eis a deusa de onde vinha a música!
Por favor, você mora nesta ilha?

MIRANDA:
– Moro, sim.

FERDINANDO: – Você fala minha língua!
Em meu país, eu seria o mais nobre
dos homens.

PRÓSPERO: – O mais nobre é o rei de Nápoles.

FERDINANDO:
– É quem eu sou, pois o meu pai morreu,
já que nosso navio naufragou.

MIRANDA:
– Oh, céus, piedade!

FERDINANDO: – Eu vi quando afogou-se,
com o duque de Milão e o filho dele.

PRÓSPERO (consigo mesmo):
– Se esse rapaz soubesse da verdade…
Ambos se apaixonaram, mas preciso
tornar esta conquista mais difícil.

FERDINANDO (a Próspero):
– Senhor, se esta donzela é sua filha,
dê permissão para que nos casemos!

PRÓSPERO:
– Rapaz, você pretende ser um rei.
Mas não sei se não é um espião
que veio aqui me despojar da ilha.

FERDINANDO:
– Não, meu senhor, eu dou minha palavra!

MIRANDA:
– Meu pai, não pode haver maldade nele!

PRÓSPERO:
– Pois vou acorrentá-lo!

FERDINANDO: – A mim? Jamais! (puxa da espada, que cai)

MIRANDA:
– Ó meu pai, ele é bom, ele é valente!

PRÓSPERO:
– Guarde a espada, traidor. Está pesada
porque sua consciência está pesada.

FERDINANDO:
– A minha força está paralisada.
Senhor, suporto ser encarcerado
desde que veja só uma vez por dia
esta donzela.

MIRANDA: – Ah, meu pai é bom.
Ele não é assim. Você verá.

PRÓSPERO (a Ferdinando):
– Siga-me! (a Miranda): – E você, não o defenda!
(à parte, a Ariel):
– E você será livre como o vento
quando cumprir as ordens que vou dar!

ARIEL:
– Ai, livre como o vento! Eu sou o vento!

FIM DO PRIMEIRO ATO

 

(continua)

 

Havendo interesse em representar a peça, enviaremos o texto completo em PDF. A escola deve solicitar pelo email: [email protected]
Favor informar no pedido o nome da instituição, endereço completo, dados para contato e nome do responsável pelo trabalho.

 

 

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