A morte de Baldur

 

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peça de Pelham Moffat

tradução e adaptação de Ruth Salles

Esta peça foi traduzida e adaptada da peça homônima do pedagogo escocês Pelham Moffat, encontrada em seu livro “21 Plays for Children”. É uma história proveniente das lendas escandinavas. A morte de Baldur representa a morte das antigas religiões naturais, da consciência em estado de sonho – o crepúsculo dos deuses. É a época em que começa a se desenvolver a capacidade humana do pensamento intelectual, a claridade do pensar. Perde-se Baldur, o deus da luz, mas na antiga lenda há uma insinuação de que isso não será para sempre. A peça tem dois temas musicais.


PERSONAGENS:
Odin – o primeiro dos Ases, senhor do céu e criador do universo.
Friga – esposa de Odin.
Baldur – filho de Odin e Friga; personificação da luz, do bem e da beleza.
Thor (com seu martelo) – irmão de Baldur, preside o ar, as estações e as tempestades.
Hoder (cego) – irmão de Baldur.
Loki – gênio do mal
Hermod (com capacete) – filho de Odin, mensageiro dos deuses.
Moça – guardiã do rio da morte.
Hela – filha de Loki e deusa da morte.
Freya – deusa do amor; a mais doce, sábia e bela das deusas.
Coro dos deuses e das almas.

No centro fica a terra de Asgard, onde residem os Ases. À direita, o reino de Hela, com a moça guardando a ponte. À esquerda, o coro dos deuses.

CORO DOS DEUSES (canta):
“Belo Baldur, ó deus sem par,
o próprio sol vem te vestir,
um puro lírio é o teu olhar.
Ó luz dourada a reluzir,
vem nossas almas alegrar!”

ODIN (olhando Baldur andar de um lado para o outro):
– Por que meu filho está tão sério,
como se triste caminhasse?
– Ah, Baldur, o dia escurece
quando há nuvens em tua face…

BALDUR:
– Meu pai Odin,
acho que está chegando a hora…
A minha vida vai-se embora.
E eu ficarei na terra escura
da deusa Hela.

CORO DOS DEUSES:
– Será que Baldur vai morrer,
e em Asgard sua luz tão bela
nunca mais vai resplandecer?

BALDUR:
– Sonhei que uma nuvem crescia
e escondia Asgard,
e que as plantas, meio caídas,
começavam a murchar.
E alguém, no reino de Hela,
disse que estavam festejando
a morte de Baldur, o belo…

CORO DOS DEUSES:
– Ah, que triste a luz se perder
se Baldur morrer!

FRIGA:
– Isso não pode acontecer.
É preciso dar proteção
ao meu filho do coração.

THOR (ameaçando com o martelo):
– Quem vai ferir Baldur, o belo?
– Quem vai enfrentar o meu martelo?

HODER:
– Vale mais a sabedoria
que a força, Thor. Tu não sabias?

ODIN:
– Hoder, tu és cego. É tua sina.
Mas uma luz interna te ilumina.

FRIGA:
– Nós devemos ir depressa
pedir a cada ser criado
que Baldur não seja atacado.

CORO DOS DEUSES:
– Ó ave, ó bicho, ó pedra, ó árvore,
prometei nenhum mal causar!
Ó terra e água, fogo e ar,
ferro, bronze, metais preciosos,
cobras de dentes venenosos
e qualquer doença ou tormento,
fazei depressa o juramento
de jamais causar algum mal
a Baldur, o deus sem igual!

(Entra Loki, espreita os outros malevolamente e sai. Friga senta-se, fiando, com Hoder e Thor de pé a seu lado. Os outros deuses rodeiam Baldur e fazem gestos de estar atirando lanças nele, mas sem conseguir feri-lo. Todos riem.)

THOR (a Friga, apontando Baldur):
– Baldur está rindo, junto dos deuses.
Pois todos eles, bem armados,
lançam os dardos contra ele,
mas nem de leve ele é machucado.

FRIGA:
– O encantamento salvou meu filho.
Hoder, não ouves o seu riso?

HODER (enquanto Loki entra disfarçado de velha e olha para ele):
– Apenas ouço, mas não vejo.
E eu queria, de qualquer maneira,
tomar parte na brincadeira.

LOKI (fala com Friga):
– Bom-dia, senhora. Eu gostaria
de saber a causa dessa alegria…

FRIGA:
– Os Ases atacam Baldur
com dardos e espadas,
e não lhe acontece nada.
Ele não pode ser ferido
por nada que lhe atirarem,
pois fiz todas as coisas jurarem.

LOKI:
– Todas as coisas juraram?

FRIGA:
– Só não pedi o juramento
ao visco, esse frágil rebento
que nem tem raiz
e que cresce numa árvore
a oeste do país.

LOKI (ri disfarçadamente):
– O visco é mesmo tão miudinho…
Que mal faria esse brotinho? (ele sai)

HODER:
– Como vai indo o meu irmão?
Eu sinto aqui no coração
o temor de alguma desgraça.

FRIGA:
– Ele enfrenta qualquer ameaça.
Seu rosto brilha, esplendoroso.
Ele é Baldur, o glorioso!

HODER:
– Ah, se eu tivesse olhos de ver
o que está para acontecer…

LOKI (entra sem disfarce, escondendo o visco nas costas):
– Vamos, Hoder! Não vais tentar?

HODER:
– Mas que lança posso lançar
se não posso enxergar?

LOKI (dando a ele o visco):
– Tome esta planta da floresta.
Eu te ajudo. A posição é esta.
Minha mão guia a tua. Agora, vira.
Lá está Baldur. Depressa! Atira!
(Loki se esgueira para fora)

HODER:
– Não ouço risos de alegria…
Sempre eram risos que eu ouvia.
Que silêncio…

CORO DOS DEUSES:
– Ooohhh!

HODER:
– Um grito aflito!
Por que estão dando esse grito?

CORO DOS DEUSES:
– Baldur morreu! Por que seria?

ODIN (aproximando-se com Hoder):
– Baldur morreu. Certeira mão
lançou-lhe um dardo ao coração.

HODER:
– Ó céus, fui eu quem o matou?

FRIGA (vendo o dardo):
– Foi o visco que o acertou!

HODER:
– Baldur, criatura tão querida,
eu te daria a minha vida!

FRIGA:
– Ah, nada poderás fazer…
Mas alguém deverá descer
ao reino onde Hela mora
e tentar resgatar agora
a alma de Baldur.

HERMOD:
– Eu me ofereço.
Às profundezas do reino de Hela
eu desço.
Mas como e por onde devo ir?

FRIGA:
– Hermod, monta Sleipnir
o cavalo de Odin.
Por nove noites,
em vales fundos e contrafortes,
chegarás ao rio da morte
onde há uma ponte vigiada
por uma jovem. Fica em guarda!
Transmite a ela seu nome e a mensagem,
e depois abre passagem
e vai depressa
tal como sai do arco a flecha!
Segura a rédea e finca a espora
e salta os portões bem na hora! (Hermod se retira.)

CORO DOS DEUSES (canta, carregando o corpo de Baldur):
“Para o inquieto oceano
a terra sagrada levamos.
Dias sombrios virão:
os anos de fome e aflição.
No alto da pira sagrada,
o morto forrado de ouro.
Rica é a chama ateada,
da terra secreto tesouro.
Dentro da noite profunda,
lançamos as chamas ao mar.
Ondas acendem-se rubras.
A estrela, que pálida está…
E as profundezas escuras
embalam a pira vermelha,
fazem dormir com doçura
a última rubra centelha.”

(Se possível, sons de galope. Hermod aparece à esquerda e a moça o faz parar.)

MOÇA:
– Viajante, é preciso que pares!
Aqui só serás recebido
se teu nome declarares.

HERMOD:
– Eu sou Hermod, o destemido,
e tenho pressa de chegar
junto a Hela! Permite que eu passe!

MOÇA:
– Mas dos mortos não tens os traços.
Que vieste aqui buscar?

HERMOD:
– Busco Baldur, o sem igual,
que cruzou o caminho mortal.

MOÇA:
– O nono dia já passou.
Que vá adiante quem chegou!

(Hela está ali perto, cercada das almas dos mortos, de faces veladas.)

HELA (ao ver chegar Hermod):
– Quem ousa passar por minha porta?

HERMOD:
– Sou eu, Hermod. E vim falar
com a mãe de todos os mortos.

(Baldur, velado, ergue o braço em saudação a Hermod.)

HELA:
– Pois fala, então!

HERMOD:
– Terrível mãe das profundezas
trago a mensagem da tristeza.
Tu nos tiraste a claridade,
a nossa fonte de verdade,
pois nosso bem, Baldur, o belo,
está cativo em teu castelo.
Devolve a alma aprisionada
de Baldur, o deus bem amado!
Os homens a se lamentar,
a terra, o mar, o céu e o ar,
tudo o que existe está a chorar.
Ouve, portanto, a minha voz.
Que a sua alma, resgatada,
retorne a nós!

HELA:
– Que então se faça um julgamento.
Que todo ser, vivente ou não,
prove o que me disseste, então.
Porém se alguma coisa ou ser
disser que não está a sofrer,
eu nada posso,
e Baldur permanece nosso.

HERMOD:
– Adeus! Quem leva a esperança
o que pretende um dia alcança.

(Hermod afasta-se. Baldur dá um passo à frente com a mão erguida. Hermod aparece do outro lado, junto a Thor.)

THOR:
– Então vieste me encontrar!
Hermod, que tens para contar?

HERMOD:
– Eu falei aos ossos da terra:
pedras e rochas que ela encerra.
Todos disseram que verteram
as lágrimas que se esconderam
sob o inverno, endurecidas,
na primavera derretidas.

THOR:
– Na floresta fiz meu percurso
e vi o lobo, o tigre, o urso.
Todas as feras demonstraram
que pelo deus Baldur choraram.

FREYA (aproximando-se):
– Peixes e aves me provaram
que por Baldur também choraram.

FRIGA:
– As nuvens todas chuviscaram,
todas as plantas orvalharam.

ODIN:
– De dor, os homens soluçaram.

CORO DOS DEUSES:
– Com tanto pranto em nossa voz,
Baldur voltará para nós.

LOKI (com um riso estridente, entra disfarçado de Thokk):
– Baldur morreu? Para voltar,
todos imploram por favor
algumas lágrimas de dor?
Eu, por ele, não vou chorar.
E não me importo
que ele fique junto dos mortos. (afasta-se rindo.)

THOR (erguendo o martelo):
– É Loki! É Loki esse malvado.

ODIN (segura seu braço):
– Já não podemos fazer nada.
– Ó Baldur, filho bem amado…
(todos os deuses curvam a cabeça tristemente.)

CORO DOS DEUSES:
– O azul do céu escureceu.
É o crepúsculo dos deuses.
Escuro é o sol. E, bem vermelha,
A horrível noite é uma centelha.

BALDUR (velado):
– Vejo um salão de ouro forrado,
mais brilhante que o sol dourado,
e a terra, linda, renascendo,
e um novo dia amanhecendo.
E vejo os deuses lá reinando
e a paz a todos serenando.
Ah, quando o amor for vosso rei,
eu voltarei.. eu voltarei!

TODOS (cantam, reerguendo a cabeça, alegres, a canção do início):
“Belo Baldur, ó deus sem par,
o próprio sol vem te vestir.
Um puro lírio é o teu olhar.
Ó luz dourada a reluzir,
vem nossas almas alegrar!”

 

 

F I M

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