II – Escola Comunitária Municipal do Vale de Luz

 

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A Pedagogia Waldorf
na escola pública

histórico – desafios – perspectivas

por Rubens Salles e Rosineia Fonseca

Nova Friburgo RJ

Tanto a Escola Comunitária Municipal do Vale de Luz quanto a Escola Municipal Cecília Meireles, que abordaremos no capítulo III, são iniciativas de responsabilidade jurídica da Associação Crianças do Vale de Luz – ACVL, inclusive os imóveis onde estão instaladas pertencem a esta associação.

Embora juridicamente com convênios firmados através da mesma associação e com parâmetros e acordos básicos definidos por esta, o grupo gestor de cada uma destas escolas tem autonomia para decidir sobre situações internas específicas de suas escolas. Ambas estão trabalhando para que no futuro tornem-se associações juridicamente independentes, e já foram criadas a Associação de Apoio à Escola do Vale de Luz e a Associação Pedagógica Cecília Meireles, que futuramente substituirão a Associação Crianças do Vale de Luz.

Mediante seus convênios com a prefeitura, elas recebem do poder público os mesmos recursos que recebem as demais escolas públicas, como a remuneração dos professores e demais funcionários, alimentação, material básico e escolar, e se sujeitam às normas e leis que regem a educação pública no município. Quanto aos materiais necessários para a Pedagogia Waldorf que a prefeitura não oferece, precisam ser adquiridos com recursos da associação, e esta é a única responsável para que a pedagogia Waldorf se realize nessas duas escolas.

O movimento antroposófico no município de Nova Friburgo, RJ, começou na década de sessenta. A partir de um grupo de estudos sobre antroposofia, iniciado em 1982, foi criada em 1988 a primeira iniciativa de educação Waldorf na cidade, a Associação Pedagógica Nascente.

Destaques

1- Visitarmos a Escola Vale de Luz foi um choque de realidade, pois, comparando-se com as escolas comunitárias privadas que conhecemos, uma escola Waldorf pública tem uma tarefa bem mais difícil de realizar, que demanda uma dedicação muito determinada de sua equipe. Diferente das escolas privadas, onde a maioria das crianças vem de famílias de classe média, e que escolhem a escola pela sua proposta pedagógica, numa escola pública qualquer família que atenda aos critérios públicos pode matricular seu filho, e geralmente não conhecem a pedagogia Waldorf.

2 – Trabalhando com os materiais disponíveis – Uma dificuldade enfrentada na Vale de Luz é que uma escola pública não pode receber da prefeitura materiais diferentes, ou melhores, do que as demais escolas da rede. Assim, muitas vezes faltam materiais adequados para atender as demandas de uma escola Waldorf, como tinta para aquarelas, papel de pintura, pincéis, flautas, giz de cera de abelha, lã de carneiro, agulhas, brinquedos de madeira etc. Isso exige adaptações pelos professores ou que a associação consiga recursos externos para atender a essas demandas.

3 – Um desafio para a formação de professores – Conhecendo a realidade de uma escola Waldorf pública, que atende crianças em situação de vulnerabilidade social cujos pais geralmente não conhecem a Pedagogia Waldorf, e sem dispor dos materiais ideais para essa prática pedagógica, verificamos que seus professores precisam de uma formação que os prepare para atuar nesta realidade, o que não acontece hoje. Os seminários convencionais para formação de professores Waldorf também não são acessíveis financeiramente para a maior parte dos professores da rede pública, o que exige sempre muito sacrifício destes para participarem ou recursos das respectivas associações.

4 – O obstáculo da falta de concursos públicos específicos – Um grande problema para as escolas Waldorf na rede pública, como a Vale de Luz, é que quando precisam de um novo professor acontece de receberem um professor que é concursado pela prefeitura, mas não conhece a Pedagogia Waldorf. Isso sempre gera um desgaste e um trabalho extra para a equipe, pois é preciso ir apresentando aos poucos os princípios e práticas básicas da pedagogia, e tentar convencer este professor a fazer a formação. Alguns professores nestas condições ficam só um ano e depois pedem remoção, outros se apaixonam pela pedagogia, fazem a formação e tornam-se ótimos educadores. É preciso conseguirmos que haja concursos públicos específicos para professores Waldorf.

5 – Compartilhando seu conhecimento – Promover cursos para professores de outras escolas da rede sobre elementos da Pedagogia Waldorf, como faz a equipe da Vale de Luz, nos pareceu fundamental como estratégia para contribuir e enriquecer o repertório didático destes professores, tornar essa pedagogia mais conhecida, assim como para fortalecer a parceria com o poder público. Apesar das dificuldades, escolas Waldorf na rede pública como essa estão trazendo mais professores e mais famílias para essa pedagogia, que sem essa oportunidade não a conheceriam. Mesmo quando chegam desavisados a uma escola Waldorf, muitos acabam se apaixonando pela pedagogia e tornam-se ótimos professores ou famílias engajadas.

6 – Atenção ao futuro dos alunos – Chamou nossa atenção o cuidado na preparação dos alunos do 5° ano para que possam fazer a transição para o 6° ano de uma escola convencional sem sofrer muitas dificuldades. Muito interessante e importante essa dedicação ao sucesso futuro dos alunos.

Alguns dados básicos sobre o município de Nova Friburgo RJ

Endereço – Rua Sebastião Pereira da Silva 197, Conselheiro Paulino -Nova Friburgo RJ – CEP 28633-540

A Escola foi fundada em 1991 no dia 04 de março e é pública desde 30/10/1996. Tem 120 alunos e atende ao Maternal III, Pré I e II (3 a 5 anos) da Educação Infantil, e do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental (6 a 12 anos). Um diferencial também é que todos os alunos estudam em turno integral, das 7h30 às 16h30, num total de nove horas diárias.

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Documentos anexos

Estatuto pdf
Convênio pdf
Projeto Pedagógico pdf

No dia 15 de abril de 2019 visitamos a Escola Comunitária Municipal do Vale de Luz, em Nova Friburgo, e entrevistamos o seu diretor, Dioneson Ferreira Guimarães, e a professora Beatriz Abicalil, ex-Secretária Municipal de Educação em Nova Friburgo de 2001 a 2008, que acompanhou de perto a criação e os primeiros anos das escolas Vale de Luz e Cecília Meireles, que levaram a pedagogia Waldorf para a rede pública municipal.

Abaixo transcrevemos o depoimento de Beatriz Abicalil, com alguns comentários do Dioneson, onde ela conta a história do início das escolas Waldorf na rede pública de Nova Friburgo:

Entrevista com Beatriz Abicalil

Beatriz – Tudo começou quando os fundadores da ACVL, entre 1989 e 1990, professores-fundadores, Tião Guerra e Mariane Canella, trabalhavam no Instituto de Educação de Nova Friburgo – IENF (Escola para formação de professores com nível Médio), com turmas de crianças que eram excluídas de toda e qualquer situação. Infelizmente havia isso em uma escola de vanguarda. Eram excluídas pela cor, pela crença, pela classe social e pelas inúmeras dificuldades de vida e de aprendizagem que apresentavam. Nessa época eu trabalhava como inspetora ou supervisora escolar, e então, junto com a equipe pedagógica da escola, conseguimos elaborar um projeto de modo que os dois ficassem responsáveis por esses alunos, independente da série em que eles estavam, e iniciassem ali um trabalho que seria pioneiro em termos de educação inclusiva em Nova Friburgo.

Da esquerda para a direita, Beatriz Abicalil, Dioneson Ferreira Guimarães, Rosineia Fonseca e Rubens Salles

Em março de 1991 (04/03/1991) houve a permissão pela equipe do IENF, com aval da supervisão, de se criar uma classe anexa da escola para funcionar no sítio da Vale de Luz, na Fazenda da Laje. Começou com cerca de 16 crianças com várias necessidades. Havia um aluno cego, e ninguém aqui em Nova Friburgo tinha experiência em trabalhar com crianças com deficiência visual. Quem tinha experiência, pela convivência, era eu, porque meu marido é deficiente visual. Então, o que eu aprendi com essa convivência, eu transmitia aos educadores da escola para facilitar o trabalho deles, em relação à postura, à redução dos estereótipos, a manter a coluna ereta, levantar a cabeça, esses detalhes todos que o cego perde porque não tem o contorno visual. Então ficou lá a Classe Rural Integrada, que a gente brincava que era uma clareada, e acabou sendo apelidada de ‘Clariada’.

Esse trabalho então começou lá nessa classe anexa, com a documentação saindo toda ainda pelo IENF. Foi a primeira experiência em que a avaliação não era por nota nem por conceito, era por relatório (como ainda é até hoje para a Educação Infantil e para o 1° ano do ensino fundamental). No início os relatórios eram muito precários, porque escreviam em poesia mas não diziam o que a criança sabia ou deixava de saber. Lembra-se das broncas que vocês levavam, nos primórdios? (pergunta ao Dioneson!) Podia ser um relatório, a gente permitia que fosse, mas que deixasse claro, de forma poética ou não, o nível em que a criança estava em termos de aprendizagem, respeitando os limites dela. Era uma avaliação individual e de muita observação. Foi um exercício em que tanto nós da equipe do IENF, quanto da Secretaria e Educação do Estado, e depois da Secretaria de Educação do Município fomos aprendendo junto.

Em 1996 (30/10/1996) foi então firmado um convênio da prefeitura de Friburgo com a Associação Vale de Luz. No começo era um convênio em que a prefeitura tinha algumas competências em relação à escola e a Vale de Luz outras competências. A questão do pessoal ficava ainda por conta da Vale de Luz, mas nesse meio tempo o Tribunal de Contas estabeleceu que todos os professores deveriam passar por concurso público, e no caso da Pedagogia Waldorf tinha a questão da formação. Quando eu entrei então na Secretaria Municipal de Educação a gente permitiu que a formação fosse feita dentro mesmo da Vale de Luz, mas que os professores deveriam passar pelo concurso público. Como não tivemos concurso entre 2001 e 2007, os professores eram contratados. Assim, por uma questão lógica, e pedagógica, junto com a Secretaria de Educação, nós decidimos que o pessoal que estava aqui atuando permaneceria. O município passou então a assumir as contratações e os encargos trabalhistas, e passou a assumir integramente a escola em termos de manutenção, de merenda, em termos de tudo. Inclusive a própria merenda, a partir de 2001 foi adaptada à realidade e às necessidades da Vale de Luz. Introduzimos o peixe e vinha maiores quantidades de ovos, verduras e legumes. Depois voltou a ser introduzida a carne, para se adaptar aos hábitos da maioria da clientela da escola. Outras escolas com outras pedagogias também tiveram este problema. Nós tínhamos a Escola Luz da Serra, onde não comiam nenhum tipo de carne de jeito nenhum, e tivemos que compensar com arroz integral e outros alimentos. Cada escola tinha a sua peculiaridade.

Obs1 – Em 1999, a Associação Crianças do Vale de Luz ampliou suas atividades incorporando a Escola Cecília Meireles, que vinha desenvolvendo na cidade um trabalho fundamentado na Pedagogia Waldorf, tornando-se então mantenedora de duas Escolas Waldorf Públicas da rede municipal de ensino. No mesmo ano, diante da necessidade de formação dos seus profissionais e de multiplicação de sua experiência, criou um terceiro núcleo de atendimento, o Centro de Formação e Desenvolvimento (CFD), que hoje atende profissionais de diversos estados e oferece, entre outras atividades, o Seminário de Formação de Professores em Pedagogia Waldorf.

Obs2 – Por volta do ano 2000 a Associação Pedagógica Nascente encerra suas atividades, e doa seu imóvel para a Associação Crianças do Vale de Luz.

Beatriz – Foi em 2001, nessa época de transição, que o Dioneson chegou à escola (Ele conta que não havia um arquivo escolar, nem diários. Tudo era muito poético e muito livre). Beatriz conta que foi porque nesse período a escola perdeu o vínculo com o IENF, que era quem mantinha esses registros. Entre 1997 e 2001 foi um período em que a educação estava recém-municipalizada, a escola era muito distante, e a supervisão ainda não era institucionalizada na secretaria. Iniciamos uma supervisão que não fosse só burocrática e administrativa, mas que tivesse um olhar pedagógico e principalmente inclusivo. Praticamente proibimos supervisores de usarem critérios de exclusão por notas, por idade, pelo comportamento do aluno, muito comuns na época. Quando entrei na Secretaria de Educação, a supervisão era mais preocupada com o registro em papel, e menos preocupada com o trabalho do professor, e como as crianças se davam com aquele tipo de trabalho. A supervisão, nessa época, não conhecia nada sobre Pedagogia Waldorf, nada sobre Escola Família Agrícola, e nada sobre a Pedagogia de Valores, que era a que a Escola Luz da Serra adotava. Tivemos então que preparar as equipes para assumirem a supervisão das escolas, pois elas precisavam ampliar seu campo de visão para evitar atritos com a visão de cada escola.

Em 2007, as fortes chuvas que ocorreram tornaram muito difícil o acesso ao sítio onde a Vale de Luz funcionava, e a escola teve que se transferir provisoriamente para o centro do bairro Conselheiro Paulino, e em 2008 mudou-se para o atual endereço, primeiro alugando o imóvel, que depois foi adquirido em 2010.

Dioneson acrescenta – Foi necessário um grande esforço para a arrecadação de verbas para adquirir o imóvel para a escola. Após a compra demos início ao projeto para a reforma e adequação do imóvel a fim de oferecer ao menos 20 vagas por classe, nas sete salas: duas classes de educação infantil multi e uma classe de cada ano do primeiro ao quinto ano. Atuam 38 pessoas vinculadas no trabalho desta escola.

Beatriz – Eu conheci a Vale de Luz lá na Fazenda da Laje. Participei de diversas capacitações que eles faziam. Inclusive, fizeram capacitações para a rede municipal, quando eu assumi a Secretaria de Educação, até para que os outros professores e diretores entendessem que cada pedagogia tem a sua especificidade, mas que todas elas confluem para um mesmo lugar, que é o bem-estar do aluno e para que ele fique bem inserido na sociedade onde ele estiver.

Rubens – Depois de tanto tempo envolvida com esse trabalho, o que a senhora acha que foi determinante para que essas duas escolas Waldorf de Nova Friburgo tenham conseguido ser criadas e estarem ativas depois de tantos anos?

Beatriz Eu vejo que primeiro é preciso haver vontade política, tanto do gestor municipal quanto do gestor de educação, e, a segunda coisa, é preciso que esse gestor tenha uma visão holística da educação. Se ele cismar que a escola tem que ser disciplinadora, ou então que ela seja de uma linha de extrema liberdade, não vai ter sucesso. Então ele tem que ter noção da pedagogia que aquela unidade propõe, e no caso dessa aqui, Waldorf, esse foi um trabalho que nós fizemos. Eu conversei com a prefeita, ela visitou a escola mais de uma vez, conversou com a comunidade, conversou com as crianças, e então ela deu o aval. Ela disse que gostou da proposta, gostou do que viu e autorizou dar andamento ao convênio. Sem dúvida, a primeira coisa é a vontade política. Outro fator de sucesso é o conhecimento da pedagogia que está sendo proposta, pela equipe da escola.

Rubens – Que valor a senhora acha que essas escolas Waldorf trouxeram para a comunidade?

Beatriz – No início acho que a comunidade não entendeu bem a proposta de trabalho, o trabalho centrado na arte e na parte emocional do aluno, o professor acompanhando a classe e a não seriação, possivelmente porque Friburgo é uma cidade altamente conservadora. Pra trazer coisas novas aqui é preciso muita luta e trabalho. A gente viveu isso em relação à população LGBT e às mulheres vítimas de violência. As políticas que temos hoje foram estabelecias entre 2001 e 2008, quando tivemos uma prefeita de cabeça aberta, que enfrentava toda e qualquer situação para que as minorias, até porque mulher nem é minoria, fossem atendidas e tivessem visibilidade.

Rubens – Mas, independente das dificuldades de compreensão da pedagogia, qual a sua análise sobre os resultados para estas famílias que matricularam seus filhos nessas escolas?

Beatriz O que eu percebi, na época, é que as famílias de classe média para cima não aceitavam a Pedagogia Waldorf (referindo-se à região de Conselheiro Paulino, onde fica a Escola Vale de Luz), mas as famílias das classes populares sim, porque viam os filhos se desenvolvendo, pois tinham oportunidades que não tinham dentro de casa nas comunidades onde viviam, pois eram muito carentes, inclusive de atenção dos pais. A dificuldade foi entrar nas classes mais abastadas.

As características da Escola Cecília Meireles já são um pouco diferentes daqui da Vale de Luz, pois está em um bairro de classe média alta. Lá as famílias mais abastadas aceitam a pedagogia e fazem força pra que os filhos estudem lá. Aqui na Vale de Luz é o contrário. As crianças são todas da classe popular. Como supervisora, eu observava que as crianças daqui da Vale de Luz avançavam bem mais depressa do que aquelas que ficavam ‘fechadas num regime de seriação’ (sistema com avaliação por médias bimestrais, reprovação e consequente reforço do insucesso). Só que não tenho esses dados numéricos, pois ficaram com o IENF.

Como secretária eu procurava valorizar tudo aquilo que pudesse agregar valor à educação municipal. Nós tivemos essa preocupação, de manter a escola Waldorf, ampliar seu atendimento em outro local, como também absorver outras pedagogias que pudessem melhorar tanto o nível da educação quanto o nível da comunidade em que ela se inseria. Trouxemos a Pedagogia de Valores Humanos e Pedagogia da Alternância, que é aplicada pela Escola Agrícola. Eram três experiências bem diferentes entre si, mas que se deram bem no lugar onde estavam, e a única que ampliou seu espaço foi a Waldorf.

Rubens – Com os cursos abertos que já se realizaram aqui, houve algum benefício para os demais educadores da rede, que não estão nas escolas Waldorf, algum enriquecimento para o seu trabalho?

Dioneson responde – Nossa experiência ‘extramuros’ é historicamente muito recente. Considero que a nossa interação nessa época não era tanta quanto poderia ser. Faltaram esforços para que num ambiente comum entre escolas, conseguíssemos falar a mesma língua. Faltava mostrar para nossos colegas que, embora nossa prática fosse diferente, nossa meta era a mesma. Faltou trabalhar com um vocabulário que fosse compreensível para todos. Hoje, quando ministramos cursos abertos a professores de outras escolas da rede, procuramos usar o material que está disponível para todas as escolas. Então a gente leva aquilo que é um recurso nosso pra trabalhar dentro daquilo que é o currículo da rede. Nossa experiência então nos últimos anos – que foram anos difíceis, pois desde que a professora Beatriz saiu, já tivemos nove secretários de educação – de mostrarmos como trabalhamos aqui, de uma forma compreensível para o restante da rede, foi fundamental para que nosso projeto conseguisse ter continuidade.

O público da escola

Na Escola Vale de Luz a grande maioria dos alunos é de famílias de baixa renda e muitos em situação de vulnerabilidade social. As matrículas são efetuadas a partir de um sistema de dados da prefeitura, que seleciona e matrícula segundo os critérios estabelecidos pelo Art. 8° da Portaria SME n°10 (10/10/2018), que reproduzimos abaixo:

Art. 8º – A distribuição das vagas será feita observando-se a disponibilidade física de cada Unidade Escolar e o tipo de atendimento prestado por ela, atendendo-se aos seguintes critérios classificatórios para alocação, em ordem decrescente de prioridade:
I – criança/adolescente com deficiência, na forma da Lei 13.146/15;
II – criança/adolescente que estava inscrito no cadastro de espera de 2018 e que não conseguiu alocação;
III – cuja família seja beneficiada pelo Programa Bolsa Família;
IV – proximidade da residência;
V – responsável legal ser servidor público municipal de Nova Friburgo;
VI – irmãos estudando na mesma instituição;
VII – origem na rede pública de ensino. §1º – Em caso de empate, a prioridade será do aluno mais novo.

Dioneson afirma que já foi crítico desse sistema durante muito tempo, mas chegou à conclusão que há uma beleza profunda nesse procedimento, que ele explica assim: “A gente trabalha com quem vem. A gente não tem nenhuma tentação de fazer uma triagem, é uma vaga pública que é preenchida a partir de critérios. Isso hoje é muito bem cuidado, muito correto, a gente pode fazer críticas ao procedimento, mas trouxe essa beleza. A gente abre uma escola todo dia olhando assim: com as crianças que vierem a gente vai trabalhar; com os adultos que vierem a gente vai trabalhar. Isso é lindo, é poético, mas é desafiador demais.”

A contratação de professores

Atualmente, quando a Escola Vale de Luz (assim como a Escola Cecília Meireles) precisa contratar um professor, ela não tem nenhuma autonomia para contratar um professor Waldorf. Diferente de uma escola Waldorf privada, que pode lançar um edital e selecionar o candidato mais adequado, aqui os professores do município são contratados mediante concurso público e cada um, de acordo com seu currículo, tem um determinado número de pontos que o classifica em uma lista, e os professores, de acordo com essa classificação, escolhem as vagas disponíveis. Assim, é possível um professor escolher lecionar na Escola Vale de Luz só por ser perto de sua residência, por exemplo, mesmo sem ter nenhum conhecimento da Pedagogia Waldorf. É claro que, como as escolas Waldorf de Nova Friburgo já são muito antigas e conhecidas na região, o professor sabe que vai atuar dentro de um ambiente pedagógico diferente, ao qual ele vai ser convidado a se adaptar.

Dioneson informa que atualmente, a configuração dos quadros das duas escolas tem um número considerável de professores com formação Waldorf, porque ao longo da história, esses professores foram ingressando por meio de aprovação em concurso público, ou por permuta. Na classificação geral, acontece de terem que escolher outras escolas, assim como ocorre com outros professores. Quando isso ocorre, há todo um diálogo na tentativa de se fazer uma troca, o que é muito desgastante, pois de modo geral falta essa sensibilidade.

Considerações sobre a formação do professor Waldorf para atuar na rede pública

Segundo Dioneson, os seminários convencionais para formação de professores Waldorf não são suficientes para preparar professores para atuar numa rede pública, onde os materiais disponíveis nem sempre são os ideais, e a clientela da escola também é muito menos homogênea e mais carente do que em uma escola privada. Atuar com crianças com vulnerabilidade social e com pais que não entendem as diferenças e qualidades da pedagogia Waldorf, requer um outro tipo de preparação. Assim, no caso da Vale de Luz, essa preparação extra é feita na própria escola.

Desafios no relacionamento com as famílias

A realidade aqui é muito diferente daquela de uma escola Waldorf de gestão privada, onde os alunos são selecionados pela capacidade financeira dos pais e seu interesse pela pedagogia. Aqui a maioria dos pais pouco ou nada conhecem da pedagogia Waldorf, mas eles percebem que os filhos estão felizes na escola, e que elas querem vir para a escola. Pais de crianças egressas de outras escolas costumam notar e comentar essa diferença. No entanto, enquanto alguns pais gostam muito da escola, outros se incomodam com algumas atividades características da pedagogia, como os meninos fazerem tricô, por exemplo.

Outro fator que causa algumas dificuldades é a questão religiosa. Grande parte das famílias frequentam igrejas neopentecostais, e há pais que proíbem seus filhos de participar de atividades como uma Folia de Reis, por exemplo.

Há estresses relacionados também ao início do ensino fundamental.

DionesonAlguns pais fazem comparações entre conteúdos dados em outras escolas e consideravam que a escola não ensinava ou ensinava menos. Essas críticas se dão entre os 5 e os 7 anos. E a maioria esmagadora dos pais não tem a menor ideia de como que esse processo se dá, como que se inicia, que o conteúdo se divide em ciclos e que ao final o aluno vai ter isso muito mais sedimentado. Não é fácil convencê-los disso. Então a gente até lida com um certo problema de fluxo de alunos do pai que quando chega nessa fase, tira da escola, (hoje menos, já tivemos mais) por causa desse mito de que a escola não ensina.

A transição dos alunos do 5°ano Waldorf para o 6°ano de uma escola convencional

Normalmente, a transição de um aluno do 5° ano de uma escola Waldorf para o 6° ano de uma escola convencional, pode ser bem difícil e até traumática. Além de deixar de ter um professor de classe que o acompanha, e de precisar estudar cada matéria de forma mais fragmentada, passa a ter que utilizar o livro didático, uma tecnologia educacional que ele não conhece.
O compromisso da Escola Vale de Luz com sua comunidade transcende o período em que os alunos frequentam essa escola, sendo uma grande preocupação o sucesso deste aluno nos próximos passos da sua formação e o seu desenvolvimento como indivíduo autônomo, o principal objetivo de todo educador Waldorf. Assim, de uns anos para cá, a equipe resolveu criar uma metodologia pedagógica que pudesse auxiliar o aluno a se preparar para essa transição. Assim, passaram a ensinar aos alunos como usar os livros didáticos. Também visitam com estes alunos a escola onde vão estudar no próximo ano, para que já comecem a conhecer o espaço e as pessoas que os receberão lá no ano seguinte.

DionesonSe já era difícil sair de uma escola com arte, com um professor que te acompanha, com uma abordagem humanizada, e cair numa escola seca, árida, fundamentalmente utilizando essa tecnologia, chegamos à conclusão de que precisávamos trabalhar essa tecnologia. Evidentemente não fazendo aulas a partir do livro didático, como se pratica, mas ir utilizando e aos poucos ir dando ao aluno uma proximidade com esse recurso tecnológico, pra que o aluno saiba pesquisar, entenda tecnicamente como uma questão é abordada ali. E isso foi uma ação de muito sucesso. O nosso compromisso é com essa comunidade, com esses alunos, com essa realidade.

Neste vídeo, a professora Laiana de Almeida Moreira nos fala sobre o cuidado necessário em se preparar os alunos do 5° Waldorf, para a passagem para o 6° ano em uma escola pública convencional.

 

As relações com a Secretaria de Educação

Ficou bem perceptível, a partir dos depoimentos obtidos, que existe uma estratégia da Escola Vale de Luz de se integrar da melhor maneira à rede municipal de educação. Como a Secretaria de Educação precisa apresentar resultados a partir do IDEB, por exemplo, mesmo esse tipo de avaliação não fazendo sentido para a maioria dos professores Waldorf, ela é feita na escola, pois aqui há uma compreensão de que, em um contexto de políticas públicas, ela faz sentido. Existe um cuidado especial para não estressar os alunos com isso, e não tem sido um problema para a escola realizá-la. Em 2017 o seu IDEB foi 6,0, um pouco acima da média do município.

Outra ação interessante nesse sentido é o projeto Arte na Escola, que já acontece há alguns anos. É um curso para formação continuada, ministrado por professores da Escola Vale de Luz, para grupos de 60 a 70 professores da rede, indicados pela Secretaria de Educação a cada ano. É realizado em cerca de 7 encontros no ano, e participam inclusive professores de escolas rurais multisseriadas, e também de classes multisseriadas de escolas urbanas, criadas em virtude de um programa de aceleração que visa diminuir a distorção idade / série. O que se faz então é trabalhar a partir do currículo da BNCC e da rede municipal, sob uma perspectiva artística e interdisciplinar, usando teatro, pintura, desenho e outros elementos da pedagogia Waldorf, e apenas com os recursos materiais que todas as escolas possuem. É muito importante os professores das outras escolas da rede perceberem que os professores Waldorf ensinam os mesmos conteúdos que eles, mas de uma outra forma.

Como contrapartida por ministrar esses cursos, a Associação das Crianças do Vale de Luz recebe uma subvenção do município que é suficiente para manter dois professores extras, como instrutores de ensino, profissionais que trabalham fundamentalmente o currículo artístico Waldorf, em cada escola (Vale de Luz e Cecília Meireles). Essa subvenção é para a Associação, para as duas escolas.

DionesonEsse curso oferecido à rede é certificado, e no município de Nova Friburgo quando soma 200 horas de qualificação, o funcionário pode entrar com um pedido de adicional. Então as pessoas têm esse interesse. Um curso desse tem 40 horas num ano, já é uma parte de uma certificação para daqui a pouco entrar com uma ação para a classificação. Quem ministra o curso são os professores da Vale de Luz, geralmente uma dupla. Naquele dia, elas são substituídas e passam o dia dando curso. Os professores da rede têm demonstrado grande interesse e vão se municiando com novos recursos. Sempre atuamos na perspectiva de que o professor que vai a este curso não precisa saber, por exemplo, tocar flauta, violão, pois geralmente quem não tem essas habilidades pensa que não vai conseguir fazer isso. A ideia é tentar mostrar, nessas quatro horas, que ele é capaz de fazer.

Dessa forma, esses recursos metodológicos passaram a ser replicados em outras escolas, e isso vai desmistificando a Pedagogia Waldorf, tonando-a mais conhecida e valoriza a Escola Vale de Luz perante a gestão municipal e os professores das demais escolas.

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