XII – EMEF Antônio Gonçalves das Neves – iniciativa descontinuada

 

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A Pedagogia Waldorf
na escola pública

histórico – desafios – perspectivas
por Rubens Salles e Rosineia Fonseca

EMEI Doce Anjo
Creche Maycon Douglas Godoy Américo

Espírito Santo do Turvo SP

O projeto de implantação da Pedagogia Waldorf no município de Espírito Santo do Turvo, SP, aconteceu durante o mandato de Luciana Retz como prefeita, de 2005 a 2008. A secretária de educação era sua irmã, Cláudia Retz. Ambas são fundadoras da Viver Escola Waldorf, uma escola associativa em Bauru que já tem mais de 30 anos, e atualmente dirigem o Instituto Impulso, que realiza cursos de fundamentação em Pedagogia Waldorf.

 

Destaque

Por se tratar de um município muito pequeno e politicamente muito dividido, uma parte das professoras eram apoiadoras da oposição à gestão na época, e a mudança para a Pedagogia Waldorf na EMEF principalmente, sempre teve muita resistência. No período da campanha eleitoral em 2008, a escola virou um foco do debate político, e práticas como os meninos fazerem tricô e outras da pedagogia que eram diferentes do tradicional eram usadas pela oposição para criticar o trabalho. Como a situação perdeu as eleições, a implantação da Pedagogia Waldorf foi descontinuada no município, onde foi adotado um sistema de apostilas. Na creche e na EMEI uma parte das atividades aprendidas com a pedagogia Waldorf vem sendo preservada pelas professoras que participaram da formação naquela época.

Alguns dados básicos do município

Luciana Maria Retz – prefeita de 2005 a 2008

Nós do Instituto Ruth Salles participamos diretamente do trabalho realizado em Espírito Santo do Turvo, através do projeto Dom da Palavra, realizando os cursos para introdução da Pedagogia Waldorf no município. Conseguimos um pequeno apoio do Ministério da Educação para realizarmos o trabalho e também apoios parciais da Fundação Software AG e da Associação Beneficente Tobias. O município tem população aproximada de 4.800 habitantes, fica a cerca de 320 quilômetros de São Paulo, em zona rural e possui uma creche, uma escola de educação infantil e uma de ensino fundamental. Todas as professoras destas escolas participaram das formações durante 3 anos, de 2006 a 2008. A equipe de formadores era composta por professores da Escola Waldorf Aitiara, de Botucatu, e os cursos ocorriam em fins de semana, mensalmente, e em períodos de férias ou feriados. O projeto Dom da Palavra foi objeto de uma dissertação de mestrado, defendida em 2010, disponível em anexo.

DISSERTACAO Projeto Dom da Palavra – pdf

Um vídeo com realizações dos alunos

 

O que ficou depois de 10 anos

Fizemos uma visita ao município no dia 15 de maio de 2019, em companhia da Luciana Retz, onde conversamos com professoras da creche e professoras da EMEI, e elas continuam utilizando algumas práticas da Pedagogia Waldorf.

Cláudia Retz – secretária de educação de 2005 a 2008

Cláudia RetzQuando estivemos lá na prefeitura, nós modificamos o estatuto e igualamos as professoras de creche e de Jardim com as do Ensino Fundamental. Depois que saímos, a primeira coisa que a nova gestão fez foi tirar o novo estatuto e voltar como era.

Foi um trabalho lindo que fizemos lá. Eu tenho fotos de projetos que realizamos lá, na educação, na cultura, no esporte, de vários projetos. E o dinheiro dava. O problema não era dinheiro.

O ideal seria se todas as escolas ganhassem autonomia. O governo pagaria para o pai um vale educação. O pai pegaria esse vale educação, escolheria a escola e entregaria esse vale na escola e a escola poderia trocar esse vale por dinheiro. Os pais estão acostumados a deixar a criança na escola e ir embora. Eles não sabem a diferença entre uma escola e outra, entre uma pedagogia e outra. Seria uma forma de trazer mais consciência para as pessoas. Os pais iam ter que pensar: “Que pedagogia é essa? Deixa eu pesquisar para ver o que é.” Os professores iam ter que escolher uma pedagogia. Se os professores são servos, eles só vão educar servos. Tem um ditado grego que diz: “Servos só educarão servos”. O fator mais importante da escola é desenvolver o social: a pessoa saber lidar com a sua própria liberdade sem tolher a liberdade do outro; saber aceitar a diferença sem se sentir nem superior, nem inferior. Isso que é o mais importante na escola. E desenvolver suas capacidades, seus talentos, o que cada pessoa traz. Desenvolver-se em todos os âmbitos, não só o intelectual. Por isso que a gente desenvolve todos os âmbitos, trabalhos manuais, movimento, teatro, poesia. Eu acho bem difícil a gente conseguir mudar pela política. Eu acho que a escola tinha que se desligar da política.

 

Creche Maycon Douglas Godoy Américo

Tivemos uma conversa com um grupo de cinco professoras da creche que haviam participado de nossa formação: Maria Silvete Belém, Juscelina Cipriano, Silvana Antonia Pereira Fontana, Silvana Jesus Martins Rodrigues, Vilma Fernandes Faccioli. Transcrevemos abaixo um trecho dessa conversa, onde elas contam o que conseguiram preservar e o que foi mudando, mas pelo áudio não foi possível identificar quem está falando.

Perguntamos se ainda utilizavam práticas da Pedagogia Waldorf.

Professora – Nós temos atividades da Pedagogia Waldorf porque fomos preservando. O que  aprendemos, estamos fazendo até hoje. A gente não teve mais aquele incentivo, aquela ajuda que havia, tiraram muita coisa. Eu estava comentando com as meninas que as músicas que eu sei e canto até hoje com as crianças, foram as que eu aprendi naquele curso. As músicas dos dedinhos, por exemplo. A experiência que eu tive numa creche que eu visitei, lá é totalmente diferente, o ritmo das crianças é totalmente diferente, na verdade, lá é sem ritmo e as crianças ficam meio dispersas. Aqui, como a gente aprendeu, eles chegam, a gente faz o acolhimento, cantamos, fazemos a roda, troca a fralda, vem a hora do banho, hora da fruta, tudo seguindo o ritmo, as nossas crianças têm hora para brincar. Aqueles brinquedos de madeira não tem mais, agora é tudo de plástico. Antes a gente fazia com eles na sala, fazia bola com lã, bonequinha e bonequinho de pano.

Professora – Aquele contato com as mães que a gente tinha, chamava, conversava, hoje não tem mais isso. Hoje as mães deixam as crianças e vão embora. Tem mãe que nem conhece a pessoa que cuida da criança aqui na creche. Tem mãe que nem quando está de férias ela fica com o filho. Tem uns que chegam às 5:50h. Na hora da saída, tem mãe que esquece. Nós saímos às 17:30h. Tem vez que a gente sai às 18:15h porque a mãe esqueceu. Antigamente vinham professoras de Botucatu de quinze em quinze dias para dar curso pra gente. Agora, se a gente quer alguma coisa, a gente tem que ir atrás e como a gente fica o dia inteiro aqui, fica mais difícil. Agora a creche não fecha nunca. Aquelas crianças que nós cuidamos, já cresceram, são adolescentes, eles lembram, não se esquecem da gente.

 

EMEI Doce Anjo

Conversamos também com três professoras da EMEI que haviam participado da formação em Pedagogia Waldorf conosco: Andréa Sanchez Carlomagno da Silva, Maria Aparecida Rodrigues Campos, Regina Vieira da Silva. No ensino infantil também foi introduzido o apostilamento e não houve nenhuma consulta sobre isso com as professoras. Também foi uma entrevista coletiva, para sabermos se ainda utilizavam práticas da Pedagogia Waldorf.

Professora – Foi uma grande formação a que fizemos na época. Todo professor deveria ter, da educação infantil principalmente. Todo educador e os auxiliares deveriam ter a formação Waldorf, e ver a escola como um órgão vivo, que respira, que vivencia a educação. A gente ainda tem muita voz ativa nas decisões, isso ficou, nas reuniões, no planejamento das festas. Deixou um grande legado. Só que hoje a gente sentiu da cidade a cobrança das famílias e do governo, a questão dos índices, das provas, da necessidade do apostilamento. A gente continua tendo a rotina. Eu chego, conto história, faço a roda, o ritmo, depois faço a leitura dos cartazes, depois vou para a apostila, depois as crianças tomam o lanche, depois vão para o parque brincar livre, isso é o que eu acho mais importante. Eu não concordo com o parque dirigido e vou bater o pé até o fim, enquanto eu estiver trabalhando, a criança tem que ter a respiração, a criança tem que estar um pouco dentro e um pouco fora da sala e no parque ela tem que brincar livre. E é difícil convencer alguns tutores do apostilamento sobre o brincar livre.

Perguntamos se o apostilamento trouxe algum resultado benéfico para as crianças.

Professora – Acho que sim. Não sei te explicar o quanto, mas as crianças ficam muito felizes aprendendo. É uma realização para eles saber o nome. Eu sei que é alfabetização precoce. Sei de toda a teoria, mas, não sei te explicar, eu me sinto muito feliz agora. Eu me sinto vendo fluir. A gente era muito cobrada pela escola fundamental. Quando as crianças iam daqui para lá, falavam que as crianças iam sem nem saber pegar no lápis, sem saber escrever o nome. Os pais também gostaram do apostilamento.

Professora – Eu não sinto falta da Pedagogia Waldorf porque eu uso ainda muito ela. A gente trabalha os ritmos e as épocas. Eu me sentia muito mal quando as professoras do fundamental falavam que as crianças não sabiam pegar no lápis, a minha autoestima ia lá no pé. Eu consigo enxergar esses dois lados e viver com essa chama da Pedagogia Waldorf acesa através dos contos de fadas, da roda, do teatro e ver que o pessoal do Etapa, os estagiários ficam encantados de ver a roda e ver decorado o ritmo. Eu dou para eles o CD que eu digitei os ritmos que a gente tinha. Eu digitei tudo, fiz uma pasta. Eu gosto dessa autonomia de poder fazer isso, admirada pelas pessoas que vêm de fora. Tenho 25 alunos na sala agora. Essas pessoas de fora percebem a calma que as crianças ficam quando eu estou perto. Se eu sair, eles vão atrás de mim. Eles percebem que a criança se espelha no professor. Os professores que vieram para cá depois tentam aprender. A nossa força, dos antigos, é forte, e os novos querem se espelhar. Ficam encantados na pedagogia Waldorf. Eles falam: “Por isso que eles são mais calmos.”

Professora – Hoje a maior parte dos pais participa da aprendizagem na escola. Se você chama, eles vêm, se você liga, eles atendem. Escola e família estão trabalhando juntas. Fazemos festas, eventos. Os pais filmam. No apostilamento você cobra muito, atividade, atividade, às vezes você não tem tempo daquele olhar para a criança de três anos. Nessa parte, eu sinto falta da Pedagogia Waldorf. Porque a gente ensinava também, só que era ensinar de uma maneira mais lúdica. E a gente usava até o termo “ser mãe”. Hoje isso é tirado também. Eles falam: Vocês largam dessa história de ser mãe. Eu já tenho 22 anos de prefeitura.

 

O ateliê Mãos de Fada

Alunos visitando o Ateliê Mãos de Fada

Durante a gestão de Luciana Retz foi criado no município o ateliê Mãos de Fada, uma cooperativa de costureiras e artesãos que confeccionavam bonecas Waldorf de diversos tamanhos e modelos e vários tipos de brinquedos de madeira, que eram comercializados para jardins de infância Waldorf de muitas outras cidades. Depois daquele período, o ateliê acabou fechando.

 

Fotos

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