1 – Introdução – Rudolf Steiner e a Antroposofia

 

Impressão ou PDF

 

INTRODUÇÃO – A educação para enfrentar os desafios do futuro

por Rubens Salles

“Nossa mais elevada tarefa deve ser a de formar seres humanos livres, que sejam capazes de, por si mesmos, encontrar propósito e direção para suas vidas.”  Rudolf Steiner

 

Em 2019 comemoramos 100 anos desde a criação da primeira escola onde foi implantada a Pedagogia Waldorf. O objetivo deste livro é introduzir o leitor no rico universo desta pedagogia, que está em pleno desenvolvimento no Brasil e no mundo. Ele apresenta a base filosófica e conceitual que a sustenta, assim como aspectos pedagógicos da educação infantil e do ensino fundamental, mas o texto não esgota o assunto, que excede muito os seus limites. Para tornar-se um professor Waldorf é necessário realizar uma pós-graduação ou curso de formação de professores reconhecido pela Federação das Escolas Waldorf no Brasil (FEWB). O curso de especialização para educação infantil em Pedagogia Waldorf demanda cerca de 770 horas-aula mais estágios, e para ensino fundamental também 770 horas-aula mais estágios.(1)

A Pedagogia Waldorf faz parte de um grupo de atividades humanas que se desenvolveram a partir da Antroposofia (do grego “anthropos”, homem, e “sophia”, sabedoria), uma linha filosófica concebida pelo filósofo austríaco Rudolf Steiner, e que nasceu no meio do caos social e econômico que se seguiu à primeira guerra mundial.

Berta e Emil Molt

Em novembro de 1918 terminou a primeira guerra mundial, e grande parte da Europa estava destruída. Com o impulso de derrubar os velhos modelos sociais vigentes até então, pessoas que se esforçavam por construir a Europa do futuro procuravam novas orientações. Um desses homens foi Emil Molt, diretor da fábrica de cigarros Waldorf-Astória, de Stuttgart, na Alemanha. Ele e sua esposa Berta procuraram Rudolf Steiner, o fundador do movimento antroposófico, que naquela época era um dos líderes do movimento por uma renovação social, e pediram-lhe que os ajudasse a formar uma escola para os filhos dos trabalhadores da fábrica, e assumisse sua organização pedagógica. Seis meses mais tarde, em 7 de Setembro de 1919, abriram-se as portas da primeira escola baseada na pedagogia criada por Rudolf Steiner, a Escola Waldorf, com 12 professores e 256 alunos distribuídos por 8 classes. Assim, foi uma escola criada para o povo, sendo revolucionária desde sua criação, pois não havia notas nem repetição de ano, e não separava meninos e meninas, o que era comum naquela época. Enquanto o materialismo era a base dos conceitos naquele tempo, assim como é até hoje, Steiner propôs uma educação baseada numa visão holística, que busca o desenvolvimento físico, mental e espiritual do homem, e sua formação como indivíduo livre e autônomo. As escolas Waldorf foram perseguidas por todas as formas de ditadura e autoritarismo, tendo sido proibidas pelo nazismo e também pelo comunismo.

Desde a fundação da primeira escola Waldorf, este movimento vem se expandindo. Hoje são cerca de 1092 escolas Waldorf de Ensino Fundamental e/ou Médio em 64 países e 1857 Jardins de Infância Waldorf (Instituições de Educação Infantil) em 70 países, nos 5 continentes.(2) Embora esta pedagogia tenha nascido na Europa, hoje ela é aplicada tanto na Rússia como nos EUA, em favelas da América do Sul e em Israel, no Brasil, nas novas democracias da Europa Oriental, no Nepal, na Índia, na China, no Egito, no Japão, no Quênia e em muitos outros países, o que demonstra ser uma pedagogia que se pode adaptar a qualquer cultura. Isso ocorre porque ela se baseia em um profundo conhecimento do ser humano, e procura oferecer aquilo de que a criança precisa em cada etapa do seu desenvolvimento, respeitando sempre sua maturidade. Isso torna essas escolas mais interessantes e acolhedoras para as crianças.

Geralmente cada país tem sua federação de escolas Waldorf, criada e mantida pelo conjunto das escolas, e que tem o objetivo de zelar pela Pedagogia no país, orientar as escolas, promover eventos, promover e orientar cursos para formação de professores, representar as escolas perante os órgãos governamentais etc. Assim, temos a Federação das Escolas Waldorf do Brasil, que você pode conhecer em www.fewb.org.br. O nome Waldorf é uma marca registrada que só pode ser utilizada pelas escolas Waldorf filiadas à FEWB.

É importante ressaltar que as Escolas Waldorf, com exceção de alguns pequenos Jardins de Infância, são associações comunitárias sem fins lucrativos, criadas para este fim por grupos de pais e professores interessados. Não se trata de uma franquia comercial. O fato de pais e mães dedicarem seu tempo e energia ao esforço necessário para se criar uma escola nova, é um parâmetro importante para avaliarmos o quanto a Pedagogia Waldorf vem se colocando como um caminho reconhecido e desejado para a educação, por milhares de famílias em todo o mundo.

No Brasil a primeira escola Waldorf foi fundada em São Paulo em 1956, com o nome de Escola Higienópolis, e depois de alguns anos passou a se chamar Escola Waldorf Rudolf Steiner. A FEWB – Federação das Escolas Waldorf no Brasil foi fundada em 1998, e hoje há 230 escolas Waldorf entre filiadas à FEWB e novas iniciativas. Totalizam 138 atendendo a Educação Infantil(3), 59 escolas atendendo até o Ensino Fundamental I, 18 atendendo até o Ensino Fundamental II, e 15 vão até o Ensino Médio, distribuídas em 20 estados do Brasil (mar/2021),(4) atendendo 17.206 alunos (fev/2019), com cerca de 1.600 professores especializados e 550 auxiliares. A Pedagogia Waldorf também é aplicada em inúmeras creches, organizações sociais e em algumas escolas públicas.

Há professores especialistas formados que não têm uma escola Waldorf em seu município ou região para atuar, e então lecionam em escolas convencionais adequando o que é possível, em benefício de seus alunos. Também há muitos professores que aprendem elementos desta pedagogia em cursos livres, e conseguem com isso enriquecer sua prática pedagógica em escolas convencionais e em organizações sociais, tanto públicas quanto privadas. A comunidade de educadores que se identificam com a Pedagogia Waldorf aumenta a cada dia.

A formação de professores especializados na Pedagogia Waldorf no Brasil conta atualmente com 20 núcleos regionais, supervisionados pela FEWB, que mantém um fórum para seu acompanhamento e integração, com encontros periódicos onde seus coordenadores trocam experiências e buscam manter um processo de aprendizagem coletiva para melhorar sempre a qualidade dos cursos. Em 2018 foi inaugurada a Faculdade Rudolf Steiner, em São Paulo, que oferece formação superior em Pedagogia ampliada pela Antroposofia, com opções de pós- graduação em Pedagogia Waldorf para a educação infantil, ensino fundamental ou médio, entre outras opções e cursos de extensão.

Realizam-se frequentemente congressos nacionais e internacionais. Durante este século que se passou desde que a primeira escola Waldorf foi criada, milhares de educadores vêm contribuindo para o desenvolvimento dessa pedagogia em todo o mundo, inclusive no Brasil. Vários deles, além de Steiner, são citados neste livro. Este constante impulso de estudo e renovação segue a orientação de Steiner no sentido de que no mundo moderno não devemos nos basear em crenças, mas sempre procurar analisar os conceitos propostos e verificar sua coerência de acordo com nossos próprios parâmetros.

Hoje, a influência da Pedagogia Waldorf transcende o espaço das escolas. Com base nos seus conceitos foi criada em 1999 a Aliança pela Infância (Alliance for Childhood), movimento que hoje abarca organizações de diversas áreas e correntes filosóficas, com representações em países da Europa, Américas, África e Ásia, inclusive no Brasil, todas unidas em defesa da infância, pois acreditam que a infância, parte essencial da existência de cada pessoa, necessita de proteção e cuidados. Tem como missão sensibilizar a sociedade sobre a importância de uma infância saudável para o desenvolvimento de seres humanos capazes de construir uma sociedade fundada na cultura de paz, na sustentabilidade ambiental e no respeito a todas as diferenças.(5)

Outra iniciativa de impacto social criada a partir da Pedagogia Waldorf é a Pedagogia de Emergência, que começou a ser desenvolvida em 2006, quando o professor Waldorf alemão Bernd Ruf vivenciou a situação traumática a que eram submetidos os jovens libaneses afetados pela guerra entre Israel e o Hezbollah. A partir dessa experiência, liderou a formação de um grupo de pedagogos e terapeutas que se dispuseram a realizar um atendimento de emergência para ajudar a cicatrizar as feridas emocionais das crianças e jovens da região, e assim evitar que seus traumas se tornassem crônicos. Desde então, o movimento cresceu e atua no atendimento a vítimas de conflitos e catástrofes nos mais diversos países, para que crianças feridas emocionalmente recuperem a confiança nelas mesmas, no outro e no mundo, e sejam capazes de, um dia, atuar para transformá-lo num lugar melhor. Em 2016 foi criada a Associação da Pedagogia de Emergência no Brasil, que realiza capacitação de educadores que lidam com crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social, já tendo atuado em intervenções no Brasil e em outros países.(6)

Nestas intervenções são utilizados vários princípios e práticas da Pedagogia Waldorf, que os professores utilizam no dia a dia das escolas. É estruturado um ritmo para as atividades cotidianas, pois isso traz mais segurança. Nele é estabelecido um tempo para brincar, são propostos exercícios rítmicos, euritmia, esportes, jogos e danças, e atividades artísticas, como pintura, desenho, teatro, música etc., que podem ajudar as crianças e jovens a lidar com seus traumas. O principal objetivo é estabelecer vínculos com as crianças que estimulem confiança e estabilidade.

“Por ocasião de uma catástrofe, é comum que muitas crianças enfrentem sentimentos de desamparo, solidão e abandono. Sua relação com o próprio corpo, com o mundo e com as outras pessoas sofre um desajuste devido ao trauma. Para crianças e jovens traumatizados, estabelecer vínculos e relações é, portanto, uma das mais importantes tarefas pedagógicas.”(7) Bernd Ruf

Desde 2006 já ocorreram mais de 50 intervenções da pedagogia de emergência em países que sofreram com grandes catástrofes e guerras, como Japão, Sumatra, Faixa de Gaza, Haiti, Nepal, Curdistão/Iraque, China e Quênia entre outros. As ações internacionais são coordenadas pela Associação Amigos da Educação Waldorf(8), sediada na Alemanha, que apoia iniciativas ligadas à pedagogia Waldorf em todo o mundo.

 

Rudolf Steiner e a Antroposofia
Rudolf Steiner nasceu em 27 de fevereiro de 1861 em Donji Kraljevec, na região chamada Medjimurje, Croácia, entre a Hungria e a Slovênia, no então Império Austro-Húngaro, e realizou em Viena seus estudos superiores de ciências exatas. Em 1883 foi convidado a trabalhar no Arquivo Goethe-Schiller, em Weimar, na Alemanha, para se dedicar à edição dos escritos científicos de Johann Wolfgang von Goethe – que se tornou uma importante influência em sua obra – desenvolvendo a partir daí um grande interesse cognitivo e consequente atividade literário filosófica. Como resultado deste trabalho, escreveu em 1886 Linhas Básicas de uma Teoria do Conhecimento da Concepção Goetheanística do Mundo, com Referência Especial a Schiller. Em 1891 publicou sua tese de doutorado, intitulada Verdade e Ciência, e em 1894 publicou sua obra básica: A Filosofia da Liberdade. Após alguns anos trabalhando como redator literário em Berlim, passou a se dedicar a uma intensa atividade como escritor e conferencista, com o objetivo de expor e divulgar os resultados de suas ideias e pesquisas filosófico espirituais, inicialmente no âmbito da Sociedade Teosófica e mais tarde no da Sociedade Antroposófica, por ele fundada. Steiner usava como meio de pesquisa o pensamento treinado pela meditação, que lhe permitia observar de forma objetiva e consciente o mundo para além da matéria. Segundo Waldemar Setzer, Steiner baseou suas pesquisas na compreensão, e não nos sentimentos, elaborou uma visão de mundo que lhe é própria, tendo dado contribuições filosóficas e práticas absolutamente originais, que não remontam a ninguém.(9)

O termo Antroposofia foi usado por Steiner pela primeira vez quando proferiu a palestra “De Zaratustra a Nietzsche – História da evolução da humanidade com base nas cosmovisões desde os tempos primordiais até a atualidade, ou Antroposofia”. Ele escreveu 28 livros e ministrou mais de 5.000 conferências, publicadas em cerca de 330 volumes, realizando grandes contribuições para os campos das artes, da organização social, da pedagogia, da psicologia, da medicina, da farmacologia, da agricultura, da arquitetura, da pedagogia terapêutica para crianças com deficiência etc, sendo os princípios da Antroposofia adotados em instituições de todo o mundo. Rudolf Steiner viveu profundamente comprometido com os destinos da Terra e do ser humano e faleceu em Dornach, na Suíça, em 1925.

 

Bibliografia

  1. Faculdade Rudolf Steiner – São Paulo SP
  2. Dados de março de 2021, da Friends of Waldorf Education – https://www.freunde-waldorf.de/en/
  3. Em novembro de 2019 eram 200 Jardins de Infância, mas 62 fecharam durante a pandemia.
  4. Informações fornecidas pela FEWB – Federação das Escolas Waldorf do Brasil, em março de 2021.
  5. Aliança pela Infância – http://aliancapelainfancia.org.br/
  6. Pedagogia de Emergência – http://pedagogiadeemergencia.org
  7. RUF, Bernd. Destroços e Traumas – embasamentos antroposóficos para intervenções com a Pedagogia de Emergência, 2018, pg 132
  8. Associação Amigos da Educação Waldorf – https://www.freunde-waldorf.de/en/
  9. SETZER, Waldemar. Comentários sobre o capítulo “Rudolf Steiner” do livro 50 Grandes Educadores, 2008

 

 

****

 

Compartilhe esse post
Facebook
Twitter
Telegram
WhatsApp

ASSINE nosso Portal com apenas R$ 8,00 por mês

e ajude a semear a Pedagogia Waldorf no Brasil. Assine AQUI.

Destaques
Posts relacionados
Literatura disponível

O conteúdo deste site pode ser usado para fins não comerciais, dando os devidos créditos aos autores e ao site, e pode ser compartilhado sem alterações, de acordo com a licença
Creative Commons 4.0