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conto de fadas bretão segundo Souvestre

tradução e sugestões de Edith Asbeck
arranjo para teatro de Ruth Salles

 

PERSONAGENS

Menestrel
Moços e Moças da aldeia, que formam o coro junto com o menestrel e dançam.
Peronic
Camponesa
Camponês
Cavaleiro 1
Cavaleiro 2 (espanhol)
Cavaleiro 3 (francês)
Cavaleiro 4
O cavalo de Rogéar e o Potrinho (?)
Rogéar, o bruxo
Briac, seu irmão, velho mago
Garotas do campo (3)
Rochedos (4)
Árvores (4)
Águas (4)
Peixes (4)
Anão com a espada de fogo
A Flor misteriosa que sorri
Leão
Os Quatro Dragões
O Gigante com a esfera de aço
As Quatro Jovens
Os dois valetes
Criança no espinheiro
Três seres com véus
Dama de negro (Peste)
Zombador,
Pérfido e
Voraz, servos de Rogéar.
Povo faminto e feridos
Arauto do Rei da Bretanha
Rei da Bretanha e sua filha.
Guerreiros em luta com Peronic no fim

 

Introdução

Vem entrando o menestrel tocando seu alaúde. Seguem-no moços e moças da aldeia, mostram-se curiosos, acompanham-no com gestos e fazem o Coro, depois de ouvirem o tema da música tocado uma vez.

Coro e Menestrel:
“Quem já viu andando aí
um bobinho arregalado,
a olhar pra todo lado
sem saber aonde ir?
É o Peronic!
Vai à fonte pra beber
pede restos pra comer,
faz da palha cobertor
e agradece ao Senhor.
É o Peronic!
Canta igual ao canarinho
ao pedir o seu pãozinho.
E imita qualquer canto.
Nada faz e sabe tanto.
É o Peronic!”

(Saem, enquanto do lado esquerdo entra o cenário da casa do camponês. Junto com a casa, entra uma mesa de rodinhas que passa pela porta e fica do lado de fora. Sobre ela há pão, manteiga, toucinho.)

 

CENA  1

Junto à porta da casa do camponês. A camponesa, com uma colher, raspa um tacho, para limpá-lo. Peronic vem-se aproximando.

Peronic (entrando pela direita, de maneiras jocosas e leves):
– Desde madrugada andei até cansar
e não achei nem cabra, nem vaca para ordenhar.
Um pouco de leite seria a solução
para quem há três dias não come uma lasca de pão.
Ai, ai… Até quando minha pança vazia vai ficar roncando?
Ah, se uma vaca eu encontrasse agora, seria em boa hora.
E ninguém me veria mexendo com ela, pois sou mais rápido que uma gazela!
Hum… Minha barriga não pára de roncar.
Dentro dela uns sete ratinhos podiam até dançar.
Êi! Perto daquela casa ouço um ruído promissor!
Que meus ouvidos não me enganem, ó Senhor!
(Vê a camponesa raspando um tacho e corre desabalado para ela.)
– Pelo amor de Deus, bondosa mulher,
não raspe o tacho todo com essa colher!
Dê pra mim o restinho, estou morto de fome,
e até raspa de tacho um pobre come.
Não provo nada há três dias, nem leite tomei
e ainda agorinha quase desmaiei!

Camponesa (assustada e depois um tanto apatetada):
– Jesus, Maria! Você me assustou! Tome! Pode raspar o que sobrou.
Já que para os porcos não vai dar e para os passarinhos vai sobrar…
(vendo-o devorar a raspa)
– Pobre inocente, está mesmo morto de fome.
Será que realmente faz três dias que não come?
Mas, ouça, reze um Pai Nosso para os bacurizinhos,
que precisam ficar bem gordinhos.

PERONIC (raspando o tacho, comendo e falando; expressão facial):
– Huuum! É mingau de milho dourado,
com gordura de porco e leite de vaca malhada!
Para Peronic é uma senhora refeição!
Afirmo e reafirmo, pois sei que tenho razão:
Ninguém cozinha tão bem em toda esta região!

CAMPONESA (toda orgulhosa):
– Qual o quê, meu filho! Não mereço tamanho elogio.
(volta-se para o público)
– Sinto um aperto no coração… Chamar este resto de refeição…
(para Peronic, passando-lhe um pãozinho de cima da mesa)
– Coma este pãozinho, eu insisto!

PERONIC (comendo):
– Ah! Este foi feito pelo padeiro do senhor bispo!
(mastigando com força)
Nada mau! Ninguém, daqui até Vannes, faz um pão igual.

CAMPONESA:
– Pois recheie com este toucinho. É só um pouquinho
que sobrou da sopa de domingo passado.

PERONIC:
– Quanta honra para Peronic! Muito obrigado!
(canta, depois que come)
“Eu agradeço ao Pai do Céu
por tudo que Ele me deu!”

(Enquanto ele canta, passa atrás da cortina o cavaleiro 1.)

CAVALEIRO 1 (aproximando-se):
– Bons dias, senhora dona! Vossa Mercê pode informar-me qual o caminho para Kerglás?

CAMPONESA:
– Kerglás?! Que Deus o livre! Não vá a Kerglás!
Todos os que foram não voltaram mais!

CAVALEIRO 1:
– Há sete anos venho cavalgando, boa senhora, por isso deve estar próxima a hora da chegada. Por tantos vales passei, tantos leitos de rio atravessei, tantas vezes o sol nasceu… Certamente estou prestes a atingir minha meta: Kerglás!

CAMPONESA:
– Cruz, credo! Justo àquele terrível lugar o senhor deseja chegar?

CAVALEIRO 1:
– Mas o cavaleiro que conseguir pegar a lança de diamante e a taça de ouro puro será senhor da maior riqueza!

CAMPONESA:
– Isso, se tudo não acabar em desgraça e tristeza.

CAVALEIRO 1:
– Ouça, minha senhora, a taça de ouro, quando tocada, oferece imediatamente todas as iguarias e todas as riquezas do mundo; aquele que bebe da taça de ouro se cura de todos os males, até mesmo os mortos despertam novamente para a vida, assim que a taça toca seus lábios. Já a lança de diamante tudo destrói, tudo aniquila. E aquele que é tocado pela lança de diamante, mesmo que seja de leve, é arremessado ao solo e morto. Ela possui misterioso poder.

PERONIC (parando de comer e chegando perto):
– E quem é o dono de tudo isso?

CAMPONESA:
– É Rogéar, o bruxo, que entende de feitiço
e que mora no castelo de Kerglás. Todo dia
ele passa numa égua preta, sua montaria,
e um potro de treze meses vem atrás. Esse bruxo é muito audaz.
Vem sempre com a lança em riste (faz o gesto) para ameaçar.
E todos que o vêem tratam de se esconder ou de se afastar.
A taça que brilha e rebrilha está em seu pescoço pendurada.
Sua luz deixa a visão de toda gente ofuscada.
E é esse bruxo que o senhor cavaleiro deseja encontrar e ainda desafiar?!

CAVALEIRO 1:
– Senhora, a lei divina proíbe Rogéar de usar a lança dentro de seu castelo. Assim que ele chega lá, ambas são depositadas no fundo de um sombrio subterrâneo, que nenhuma chave pode abrir. E é no castelo que vou atacá-lo, como cavaleiro que sou, conhecedor da arte de combater. Não tenho o menor receio, sei que serei vencedor!

CAMPONESA:
– Tomara que dê certo. Pois mais de cem cavaleiros, muito espertos,
para lá cavalgaram e jamais voltaram!

CAVALEIRO 1:
– Isso aconteceu porque eles desconheciam os ensinamentos que me foram dados pelo bondoso eremita que eu tive a sabedoria de procurar.

PERONIC:
– Eremita? Aquele que vive escondido num abrigo,
e que só conversa com os anjos o tempo inteiro?
Que disse o eremita, senhor cavaleiro?

CAVALEIRO 1:
– Ensinou-me passo a passo o que devo fazer. Disse que eu devo atravessar a Floresta da Ilusão, e que eu não me deixe enganar de maneira alguma por seus encantamentos, mas que resista a toda prova, não me desviando do caminho em hipótese alguma.

PERONIC (faz gestos de quem está guardando na memória e pensando):
– E depois?

CAVALEIRO 1:
– Ele disse que eu enfrentarei um anão, que tem como arma uma espada de fogo que tudo queima e transforma em cinzas. O anão vigia uma macieira carregada de frutos. E apesar da atenção e da sagacidade do anão, devo colher uma das maçãs.

PERONIC:
– Credo! Cruzes! E que mais?

CAVALEIRO 1 (enquanto este fala, Peronic conta nos dedos como quem decora e move os lábios em silêncio):
– Disse que eu encontrarei a flor que sorri. É uma flor misteriosa, de cujo poder vou depender em outro momento de minha busca. E já quando eu a encontrar será difícil aproximar-me dela, pois há um leão vigiando, e em sua juba cem víboras serpenteiam pérfidas, ameaçadoras, mostrando as línguas ágeis!

PERONIC:
– Ai, que coisa horrível! E depois, senhor?

CAVALEIRO 1:
– Depois, meu jovem ingênuo, eu colho a flor!

PERONIC:
– Crendospadre! E depois?

CAVALEIRO 1:
– Ele disse que vou atravessar um lago povoado por seres assustadores: o Lago dos Dragões, e não posso permitir que eles se aproximem demasiado. Na margem oposta, são e salvo, devo lutar com o escuro gigante, cuja arma é uma esfera de aço que nunca deixa de atingir o alvo e que volta sozinha para ele. Tendo vencido mais esse obstáculo, diante de mim vai abrir-se um vale – o Vale da Tentação. Nesse vale, tudo quanto possa desviar um cristão de seu caminho de fé e de sincero fervor vai manifestar-se. Se resisto às tentações e alcanço ileso a orla da floresta, surge um rio, que só dá passagem num único e estreito local. Por fim, vou encontrar à minha espera uma dama de negro, que me dará conselhos de como prosseguir.

CAMPONESA:
– O melhor conselho seria regressar sem mais hesitações.
Não há como vencer sete aflitivas situações!

CAVALEIRO 1:
– Não, não, senhora dona! Vencerei as sete provas. Portanto, repito a pergunta: Por obséquio, que caminho devo tomar?

CAMPONESA:
– Que Deus me perdoe! Vá por aquela estrada!
(O cavaleiro sai, ereto e altivo.)
Esse vai cair no laço que nem uma galinhola estabanada.
– E você, Peronic, já comeu bastante. Dê o fora! (enxota-o)

(Peronic vai saindo e, por ser malandro, ao ouvir o camponês falando, procura esconder-se para não ser visto.)

CAMPONÊS (vem chegando, falando sozinho):
– Aquele ajudante imprestável, que eu mandei embora,
não fazia nada direito, não cuidava das vacas,
até o maior dos bezerros caiu num buraco!
Só que agora sou um pastor
sem ajudante, sem guardador! (percebe Peronic)
– Ei, menino! Aonde vai você correndo pela rua?

PERONIC:
– Vou ver como nasce a lua!

CAMPONÊS:
– Seu brincalhão folgado! Você viria a calhar para me ajudar a cuidar do gado.

PERONIC:
– Prefiro cuidar só de mim, bom senhor, em vez de ser um guardador.
Se o senhor quer que eu lhe explique,
ninguém sabe não fazer nada tão bem quanto Peronic!

CAMPONÊS:
– Ora! Olhe ali nossas vacas, todas bem tratadas,
a preta, a castanha, a branca, a malhada
e aquela que está lambendo seu bezerrinho.
É só tocar todas para o pasto de manhã bem cedinho,
e na volta contar de uma em uma para ver se não falta mesmo nenhuma,
e levar todas de volta ao curral para tirar o leite, fazer o queijo e coisa e tal.
O esterco a gente usa para adubar a terra. Ele vale ouro.
Tome, segure a vara! E não tenha medo do touro!
Ande, meu jovem! E fique atento, pois o gado gosta de se espalhar.
É preciso cuidar!
E volte na hora do pôr-do-sol! (Grita esta frase já se afastando.)

PERONIC (sozinho consigo mesmo):
– Pôr-do-sol… pôr-do-sol…
Se não fosse o mingau, o pãozinho, a manteiga, o toucinho,
eu saía correndo sem pensar. Mas é melhor concordar,
ouvir esse camponês falador e servi-lo como bom guardador.
Eu, Peronic, com esta vara na mão, não dá pra acreditar. Juro que não.

 

 

CENA 2

Pasto à beira da estrada. Peronic canta com a vara na mão.

 

PERONIC (canta):
“A primavera está a chegar,
o frio a terminar.
O sol nasceu e brilha no céu,
e as nuvens com seu véu…
No prado verdinho, olho as vaquinhas
todas a pastar.
De vara na mão, eu como meu pão
e sem me preocupar.”

PERONIC (fala, olhando ao longe, com a mão em pala na testa; há um brilho atrás da cortina):
– Que brilho é esse que ao longe dança?
Oh! É o bruxo Rogéar com sua lança!
Atrás de sua égua segue o valente potrinho.
Dia após dia, fazem o mesmo caminho.
Estou seguro aqui atrás deste mato.
Mas, se ele me visse, eu saía dançando no maior espalhafato!
(dança montado na vara; de repente, olha para o campo e corre de um lado para o outro)
– Ei, Malhada! Está indo pelo caminho errado!
Hô, Castanha! O curral é daquele lado!
Ui, a Preta fugiu, e eu tenho de ir atrás!
O bezerro vai cair no buraco! Isso também já é demais (devagar, com expressão)
Peronic, o guardador, corre o dia inteiro.
Ah, se eu pegasse aquele potrinho, eu seria Peronic, o cavaleiro!
(cai no chão, exausto)

CAVALEIRO 2, o espanhol (entrando):
– Eh, usted ahí, oiga! Ha visto Rogéar a cabalgar,
con su lanza en ristre a brillar?
El lleva en el pecho una taza colgada
y, soberbio como un rey, piensa que yo soy nada.
Pero ese brujo va a ver de qué yo soy capaz.
El fué para la derecha, mi rapaz?

PERONIC (erguendo meio corpo e coçando a cabeça):
– Que foi, foi… Mas, se eu fosse o senhor, não ia atrás. (O cavaleiro sai.)
(consigo mesmo): – A mistura na fala é tanta
que, vai ver, ele tem uma doença na garganta.
(Peronic se senta, apoiado na vara.)

CAVALEIRO 3, o francês (entrando):
– Dis-moi, mon enfant, où trouverais-je Kerglás?

PERONIC (põe-se de pé, espantado e diz consigo mesmo):
– Eu entendi Kerglás e não sei o que mais.
Enrolou a língua esse senhor. Deve ser de pavor.

CAVALEIRO 3 (gesticula, para saber que direção seguir):
– Parbleu! Je cherche la lance d’or!

PERONIC (consigo mesmo):
– Lance deve ser lança. Isso eu sei de cor.
(ao cavaleiro)
– O senhor quer saber o caminho de ida?
(consigo mesmo)
– Mesmo porque o caminho de volta é causa perdida.

CAVALEIRO 3:
– Oui! Oui! Oui!

PERONIC (consigo mesmo):
– Quanto “ui”… Ele está é com medo.
(ao cavaleiro)
– Calma, senhor, a direção é esta, que depois passa pela floresta.

CAVALEIRO 3 (indo embora):
– Oui, mon bon enfant! Merci! Merci!

PERONIC (acena para ele sem entender e grita):
– É! Pra pegar a maçã é cada um por si!

(Entram moços e moças da aldeia.)

MOÇA:
– Que dia lindo! Parece domingo! Vamos dançar?

(Eles executam uma dança típica. Peronic se alegra e tenta imitá-los. Terminando a dança, os jovens saem, menos um par.)

CAVALEIRO 4 (entrando e dirigindo-se a Peronic):
– É por aqui que se vai a Kerglás?

PERONIC (encolhendo os ombros):
– Deve ser… pois quem foi por aí não voltou mais.

CAVALEIRO 4 (olha para os três com bastante orgulho e importância):
– Mas eu voltarei, não há dúvida alguma! Nasci para vencer nas aventuras.

MOÇA (consigo mesma):
– Isso é uma verdadeira loucura!

CAVALEIRO 4:
– A lança do bruxo eu hei de arrebatar, tenho plena certeza! E depois será meu o grande, o imenso poder! Exterminarei quem a mim se opuser. Determinarei sobre o existir e o não existir dos outros. Nada no mundo me deterá, pois minha vida será eterna. Somente eu saberei melhorar o mundo! Somente eu! Terei alcançado o direito sobre a vida e a morte, escolherei aqueles que, como eu, não sofrerão sede nem fome jamais. Eu serei onisciente, onipresente, inextingüível!

MOÇO:
– Mas, senhor cavaleiro, ouvi falar num leão feroz.
E as serpentes de sua juba se agitam de modo mortífero e atroz.

CAVALEIRO:
– Pois eu não tenho medo de leão, quer tenha uma juba de répteis peçonhentos, que podem aterrorizar o viajante desavisado, quer se mova silenciosamente para o ataque ou se aproxime com um rugido cavernoso. Nenhuma criatura terrena conseguirá abalar minha coragem e auto-confiança.

PERONIC:
– E de dragão, o senhor não tem medo?

CAVALEIRO (pomposo e com leve desprezo pelos que o ouvem):
– Nem de dragão! Em minha terra, é de minha espada que todos têm medo! O feiticeiro que trema pelo que vai enfrentar. Ouça, meu rapaz, espere por minha volta. Certamente estarei formando um grande exército. Precisarei de muitos homens e até pode ser que eu o tome como pajem!

(O cavaleiro sai por um lado, e os dois jovens saem pelo outro.)

PERONIC (acena, gritando):
– Está bem, senhor, está bem!
(consigo mesmo)
– Mais um que vai… Até me deu vontade de ir também.
Tenho sentido uma estranha emoção…
A taça, a lança… Arde um desejo em meu coração,
um desejo que cresce e se transforma em labareda dia a dia,
ao ver Rogéar passar em sua montaria,
e o potrinho logo atrás…
Ah, estou pensando demais! (Faz um gesto de quem espanta os pensamentos.)

(Peronic cantarola e, dali a pouco, Rogéar passa de novo.)

PERONIC:
– Outra vez Rogéar sobe a colina.
Isso está virando rotina.
Já nem preciso me esconder de medo.
Ele passa tarde, ele passa cedo…
(Peronic boceja, deita-se e cochila, mas acorda com a chegada de um velho e se espreguiça.)
– O senhor é outro que quer saber o caminho para o castelo do feiticeiro?

BRIAC:
– Eu? Não. Já estive lá muitas vezes.

PERONIC (espantado):
– E voltou inteiro?
E ele não furou o senhor com a lança?

BRIAC:
– Como vê, nada me aconteceu. Pois eu sou Briac, o mago, irmão de Rogéar. Pouco temos em comum, mas mesmo assim ele espera minha visita. Mas quero ir montado no potrinho, que sabe muito bem o rumo certo. Basta chamá-lo, montar nele e deixar que corra solto em bom galope. Ele irá rápido como o vento, e logo chegaremos ao castelo, onde sou aguardado.

(Ele desenha com o dedo três círculos na terra, dizendo de cada vez):
– Peric perac, bric brac, potric potrac!
(Depois chama)
– Potrinho de passos rápidos e de crina esvoaçante,
de olhar astuto e brilhante,
venha me pegar na disparada
e me leve pela floresta encantada!

(O potro aparece. Briac lhe põe o cabresto, monta e sai. Música de cavalinhos.)

PERONIC:
– Ora essa! Então é assim que se faz para ir a Kerglás?!
Desenho na terra… (tenta), ih, não sei fazer…
Palavrinhas para dizer:
“Petic, petrac, petri, brac, brac, pro, pro… Ah, deixa pra lá. Não é assim.
E os versinhos: “Potrinho, potrinho, meu bom cavalinho.”
Não… também não é assim.
É, mas que eu tento, lá isso eu tento! E quem não tem um belo conhecimento
se vale da esperteza, mesmo porque beleza não põe mesa.

GAROTA DO CAMPO (passando com mais duas):
– Lá está aquele tonto falando sozinho outra vez.

GAROTA 2:
– Parece tonto, mas é sabido. Não diz dois sem três.

PERONIC (continua a falar, enquanto faz preparativos):
– Em vez de ficar aqui pensativo,
vou fazer meus preparativos:
(caminha, entrando nos lugares, para pegar o material)
arranjo um cabresto e um cordão de pegar galinhola,
que vou mergulhar na água benta;
e mais um saco de lona bem cheio de cola
e de penas de ganso, galinhola, galinha,
pois a fome do leão aumenta
ao sentir este sugestivo cheirinho.

GAROTA 3 (as três estão meio escondidas, espiando):
– Que será que ele está aprontando, falando, falando?

PERONIC (coça a cabeça, pensativo):
– E mais um rosário! É isso! E minha flautinha de sabugueiro!
Talvez me salvem de dificuldades… Deus queira! (faz a flautinha)

GAROTA 1:
– Quando ele crescer, vai ser um moço bonito.
Vocês não acham?

GAROTA 2:
– Mas é tão esquisito…

PERONIC (dando um tapa na testa):
– Ah! O toucinho rançoso na casca de pão,
para eu não ser tentado por algum cheirinho bom no Vale da Tentação.
(vai buscá-lo e repara nas garotas):
Estão falando de mim, essas tontas. – Ei! Psiu!

GAROTA 3:
– Vamos embora, que ele já nos viu! (fogem correndo dando uns risinhos)

PERONIC (encolhendo os ombros):
– Ah, não quero nem saber!
Tenho mais o que fazer.
Pensando bem, vou espalhar pedacinhos de pão na grama,
pois um potrinho é sempre curioso. E o curioso é assim que a gente chama.

(Tendo preparado tudo, Peronic espalha o pão na grama e se esconde atrás de um arbusto.)

PERONIC:
– Já tenho tudo arranjado,
e o pão está espalhado.
Lá vêm eles! (Música de cavalinhos. Rogéar passa, e o potrinho pára para comer o pão. Peronic sai detrás do arbusto e monta no potrinho.)
– Vamos lá, meu potrinho, na disparada,
pela floresta encantada!

(Ele sai e, com a passagem da música, entram o cenário e o clima da floresta.)

 

 

CENA 3

Floresta da Ilusão. Euritmia dos elementos. Peronic no potrinho.

PERONIC:
– Vamos, meu potrinho, pela Floresta da Ilusão.
Começou a disparar meu coração.
Sinto um frio na espinha e tremo de medo.
Que os céus me ajudem! Quem vem lá? São rochedos!!

ROCHEDO 1:
– Para trás! Para trás!
ROCHEDO 2:
– Quem passa por nós não volta mais!
ROCHEDO 3:
– Podemos rolar e esmagar seus ossos!
ROCHEDO 4:
– De você restarão apenas destroços!

PERONIC:
– Coragem, potrinho valente! Eia! Vamos em frente!
As pedras não estão falando!
As pedras não estão rolando!
É tudo enganação da Floresta da Ilusão!
Seria uma grande bobagem perder agora a coragem!
É só confiar e vencer o medo.
Nisto consiste o segredo!

(Saem os rochedos. Surgem as árvores em chamas. Ver como serão iluminadas. Som de zumbidos e estalos.)

ÁRVORE 1:
– Ouça os galhos como falam!
ÁRVORE 2:
– Ouça as chamas como estalam!
ÁRVORE 3:
– Para trás! Para trás!
ÁRVORE 4:
– Ramos, queimem este rapaz!

PERONIC:
– O fogo do mal não me vence assim,
porque o céu cuida de mim.
Coragem, meu coração!
Isto não passa de ilusão.

(As árvores somem. Surgem as águas e depois os peixes.)

ÁGUA 1:
– Minhas vagas avançam, avolumam-se, dançam…
ÁGUA 2:
– Reviram toda a terra do mundo e levam você para o fundo.
(Peronic cai e nada com esforço, mas afunda.)
ÁGUA 3:
– Abandone-se a nós! Torne-se leve como os peixes velozes.
São belos os sonhos de quem ouve nossas vozes! (4 peixes cercam Peronic.)
ÁGUA 4:
Lá em baixo ele bateu com os pés e vem subindo outra vez!
Não deixem! A coragem é seu poder! Assim ele nos vai vencer!

PERONIC (ressurgindo na superfície):
– As águas não avançam. Eu venço as vagas.
E não acredito nessas medonhas pragas.
Com a força de minha vontade,
eu enxergo a verdade! (As águas e os peixes somem.)
Veja, potrinho valente! De repente,
a ilusão desapareceu,
e aqui ainda estou Eu!

(A água desaparece com seu cenário. Peronic cavalga. Com a música, entra o cenário da campina.)

 

 

CENA 4

Campina com uma macieira carregada, guardada pelo anão, sentado numa pedra com a espada de fogo. De um lado, como que de outra região, cantam as moças e os moços da aldeia com o menestrel. Depois, entra Peronic com o potrinho.

CORO CANTADO (do menestrel com os moços e moças da aldeia):
“Onde andará Peronic, o tonto pastor?
Ele cresceu em beleza, coragem, fervor.
E foi atrás de aventuras, saiu a correr,
o feiticeiro malvado ele quer vencer!”

ANÃO:
– Que nenhum homem se atreva a pegar esta maçã! Se minha espada o tocar, ele será transformado em nada! Ainda ontem esteve aqui um cavaleiro audaz que tentou pegá-la. E que restou de sua tentativa desesperada? Nada além de um montinho de carvão.

PERONIC (aparece):
– Muito bons dias, prezado senhor. Venho de longe e estou indo para Kerglás, onde o senhor Rogéar me espera.

ANÃO:
– Audaz mentiroso! Quer experimentar esta lâmina de fogo?

PERONIC:
– O senhor não entendeu. Sou um treinador de pássaros e dedicado servo de Rogéar. Tanto assim que ele me emprestou seu potrinho. Porque em Kerglás os passarinhos arrasam com os bicos todos os jardins e tudo o que amadurece nas plantações. Esse é um caso que só eu posso resolver, e vou prender os passarinhos com este laço especial.

ANÃO (cofiando a barba, observa bem Peronic e fala consigo mesmo, voltado para o público):
– É, mesmo… Ele está com o potrinho de Rogéar. E tem um ar tão ingênuo que nem deve saber pregar mentiras.
(Aponta para o laço e fala com Peronic):
– E como é que você apanha os passarinhos com esse tal de laço especial, que mais parece um lacinho atoa? Trate de demontrar logo isso para mim, senão eu me aborreço e o transformo num mero montículo de cinzas.

PERONIC:
– Pois então experimente! É só o senhor passar a cabeça pelo laço, como se fosse um passarinho. (O anão passa a cabeça pelo laço.) Passou?

ANÃO:
– Passei. E agora?

PERONIC (fechando o laço):
– E agora dou um puxão: zás-trás!

ANÃO (esbravejando e esperneando):
– Ei, ei, ei… Socorro! Mentiroso! Traidor!

PERONIC:
– Agora, que o senhor já sabe o bastante, pode sapatear à vontade, pois a cordinha foi benzida e por isso não arrebenta. (Colhe depressa a maçã e monta no potrinho.)
– Vamos, meu potrinho, vamos a galope, mas não me deixe cair!

 

(continua)

 

Havendo interesse em representar a peça, enviaremos o texto completo em PDF. A escola deve solicitar pelo email: [email protected]
Favor informar no pedido o nome da instituição, endereço completo, dados para contato e nome do responsável pelo trabalho.

 

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