Teatro para crianças de 9 anos – orientações pedagógicas

 

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A criança de 9 anos

Por Cristina Maria Brigagão Abalos, Dora Regina Zorzetto Garcia e Vilma Lúcia Furtado Paschoa.

Aos 9 anos, a criança, anteriormente identificada com o mundo ao redor, agora passa por um momento muito especial, afastando-se cada vez mais da fantasia e do sentimento de unidade e integração com a natureza e com seu ambiente. A criança sente-se só pela primeira vez, sente-se como indivíduo, separada, criando um espaço interno.

A tarefa pedagógica é construir uma ponte entre o espaço interno da criança de 9 anos e o mundo do qual ela se está afastando.

É de fundamental importância que se cultive nesta idade a vontade de crescer, de querer conhecer o mundo e nele atuar, trazendo imagens que traduzam em profundidade o momento pelo qual passa a criança de 9 anos! A de que o homem não pode ser passivo na Terra, que ele deve trabalhar. Com seu trabalho, ele transforma o meio ambiente e garante sua sobrevivência. As profissões são abordadas, assim como a ação do homem no mundo. Esta pode se direcionar das mais variadas maneiras, e assim o homem se dignifica.

Como sugestão, o estudo das profissões pode ser abordado basicamente sobre dois grandes temas: o pão, alimento primordial, e a casa, vista como a construção da própria corporalidade, como o abrigo para o “estar no mundo”. Sob o tema do pão, os alunos podem aprender a cultivar na escola ou em casa, cuidar da plantação, esperar que germine e amadureça, aprendem sobre a colheita, a debulha, a moagem do trigo, a construção do forno de barro e, finalmente, a confecção do pão. Outros produtos também podem ser cultivados em uma horta, e os alunos aprendem todas as profissões ligadas ao cultivo da terra, até o alimento estar em nossa mesa. Sob o tema da casa, podem ser abordados os vários tipos de moradias existentes no mundo e como são construídas, de acordo com os recursos naturais disponíveis e os costumes de cada cultura. Também aqui diferentes profissões surgem, vinculadas a esta preciosa oportunidade de se apresentar aos alunos muito do que o homem pode fazer com suas mãos, e a capacidade que elas têm de transformar.

 

O TEATRO PARA CRIANÇAS DE 9 ANOS

A cada dia é natural que as crianças cheguem na escola com diferentes estados de ânimo. Para harmonizar o grupo é aconselhável que se façam exercícios rítmicos*, recitações e canto. Nesta idade, os exercícios musicais podem ser mais complexos e ser exercitados, por exemplo, em cânones: um grupo inicia um tema musical já aprendido em uníssono e é seguido à distância de um ou mais compassos, por outro(s) grupo(s) até o fim.

Todos os conteúdos citados acima trazem inúmeras, variadas e ricas possibilidades de dramatização. Em que se difere o teatro para crianças de 9 anos do teatro para as crianças menores? – As crianças ainda decoram todo o texto escolhido, mas algumas, que se sintam mais seguras, podem ter falas individuais mais longas. Nunca se deve forçar uma criança a se expor, isto virá com o tempo, pois todas acabam envolvidas pelo contexto e pela adequação dos temas ao momento de seu desenvolvimento.Pode-se explorar bastante a dramaticidade das fortes imagens das histórias do Antigo Testamento, como a de José do Egito, a de Davi e Golias, por exemplo.

Os figurinos já podem ser um pouco mais elaborados, com alguns elementos que lembrem, por exemplo, épocas ou profissões, assim como podem ser empregados objetos de cena em maior número e mais variados, muitos dos quais as próprias crianças podem fabricar.

Podem ser feitos trabalhos com desenho e pintura como vivências dos conteúdos da peça, experimentando novas intensidades e combinações de cores, aprofundando os temas escolhidos e o processo de montagem da peça de teatro.

Os cenários podem ser compostos apenas com panos coloridos, já que o foco mais importante são as crianças e sua atuação.

Para uma criança de 9 anos, a escolha de uma peça deve ser inspirada em temas que despertem o entusiasmo pela ação do ser humano e resgatem o convívio e a participação dela no mundo. É o homem transformando seu ambiente. Para tanto, as peças deveriam ter personagens empreendedores, ativos, que juntos, somando forças, concluem tarefas e podem saborear o fruto do dever cumprido.

Como exemplo escolhemos a peça “O Grão de Trigo”, que engloba vários temas próprios para esta idade: o pão, as profissões, o trabalho coletivo e compartilhado, a harmonia existente entre o homem e os animais domésticos que lhe prestam serviço e, por outro lado, a natureza que os complementa e lhes dá suporte. O “menino” da peça é a razão de todo o trabalho que resultará no pão.

Caso o texto resuma o conteúdo dado nas aulas, não é necessário contar a história previamente. À medida que se apresenta cada elemento, introduzem-se as falas correspondentes na parte rítmica do início da aula. Permanece a indicação de que todos decoram tudo.

A princípio, explora-se a linguagem e seus recursos, por exemplo as aliterações na fala do vento; os gestos, que naturalmente dela decorrem, na fala forte e cadenciada dos lavradores, acompanhada por passos firmes da personagem; ou ainda os ritmos expressos na fala lenta e arrastada das vacas e dos bois. Da fala do coro todos participam, enquanto “o sol”, “a lua” e “o menino” podem ser representados cada um por um aluno.

Além das músicas que integram a peça, sugere-se acrescentar pequenas melodias, como o som de instrumentos caracterizando certos personagens (pau-de-chuva, reco-reco, apitos com sons de pássaros etc.)

Depois de intensa vivência em que todos os alunos têm a chance de experimentar diferentes personagens, o professor distribui os papéis segundo critérios pedagógicos. Vale lembrar que a montagem de uma peça não é mera atividade lúdica, mas um recurso pedagógico de extrema valia para o desenvolvimento da criança e harmonização do grupo.

A uma criança tímida faria muito bem ser o pequeno grãozinho de trigo que rompe a terra, cresce e desabrocha em espigas douradas; ou, mesmo, para uma criança com traços egocêntricos, seria bastante terapêutica a vivência do grão de trigo transformado em pão para servir de alimento. Embora estrelismos devam ser evitados, outro critério de escolha de papéis é a valorização de aptidões e características da criança, seus talentos. Crianças alegres e comunicativas com certeza fariam muito bem o papel das cotovias.

Nessa peça, é possível usar túnicas coloridas (verde para o campo, cru para os grãos de trigo, amarelo para o sol etc.), explorar os adereços na cabeça caracterizando diferentes personagens (coroa adornada com espigas de trigo, gorrinhos com orelhinhas, chifrinhos, identificando os animais, uma coroa de papel dourado para o sol e outra de papel prateado para a lua). Já para a representação do arado, do rolo e da grade sugere-se a movimentação do próprio corpo. Os “ventos”, as “chuvas” e as “cotovias” podem vestir tecidos leves e transparentes sobre as túnicas.

Aos 9 anos, as crianças se movimentam mais livremente no palco, podendo realizar um trabalho mais elaborado e imprimindo maior expressão pessoal em sua atuação, sempre dentro das orientações gerais do professor.

* Exercícios de ritmo – A cada dia, quando as crianças chegam na sala de aula, vêm de ambientes diferentes e se apresentam num estado de ânimo especial: algumas chegam esbaforidas porque estavam atrasadas, outras cansadas, pois pegaram muito trânsito, outras assistiram uma briga entre os pais ou coisas ainda piores. Elas não estão prontas para a aprendizagem. A função principal da parte rítmica é harmonizar estas crianças e dispô-las para a aprendizagem. Um poema, por menor e mais simples que seja, dito em coro no início do dia escolar, por exemplo, ajuda a aliviar a dispersão dos alunos e levá-los a sentir que fazem parte de um todo. De forma lúdica e alegre, ensinam-se exercícios de ritmo, com poesias e canções – que até podem fazer parte de uma futura peça – executados por todos, com palmas, gestos, movimento, “afinando” a turma. Assim se trabalham o esquema corporal, espacialidade, dicção, atenção, integração social e muitos outros aspectos. Esse início de aula, que chamamos de parte rítmica, é repetida, dessa forma, por três ou quatro semanas, quando então alguma coisa é mudada, não tudo de uma vez, isto é, substitui-se uma poesia por outra nova, depois uma música e assim por diante, acompanhando os temas trabalhados em classe, a matéria. A longo prazo, o trabalho rítmico desenvolve qualidades e cria disposições e habilidades para o trabalho teatral. Até os 9 anos é importante que a parte rítmica seja realizada em roda, com as crianças em pé e livres para se movimentarem. O círculo é a forma perfeita, que integra a todos e onde cada um enxerga o todo.

 

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